O assunto do momento no noticiário internacional, infelizmente, é a lamentável situação vivida pelos palestinos. O massacre promovido por Israel, em resposta ao ataque realizado por militantes do Hamas no dia 7 de outubro, já dura um mês e, pelo jeito, está longe de terminar. As fotografias, vídeos, relatos e dados mostram que a população está pagando um preço altíssimo para que Israel possa perseguir seu objetivo (declarado) de destruir o Hamas. E com um requinte de crueldade: 40% dos mortos são crianças. Quarenta por cento.
Quando redigi esta newsletter, a contabilidade das vítimas do lado palestino estava em 10.022 pessoas, sendo 4.104 crianças. Para nós, jornalistas que lidamos diariamente com a disputa de narrativas e temos a tarefa de selecionar informações e imagens que chegarão até você, virou rotina abrir o nosso fornecedor de imagens e nos depararmos com pequenos seres humanos cobertos de poeira, completamente sem vida, nos braços de algum adulto.
Nada menos que mil crianças morrem por semana, em média. Se considerarmos mortas e feridas numa única conta, são 2.800 por semana, segundo a Unicef, fundo da ONU para a infância. Quando ainda estávamos na terceira semana de guerra, o número de fatalidades, então em cerca de 3 mil, já havia ultrapassado o número de crianças mortas anualmente nas zonas de conflito do mundo desde 2019. Isso não pode ser considerado um “dano colateral”, disse, na ocasião, Philippe Lazzarini, diretor da UNRWA, agência da ONU para refugiados palestinos.
Por trás da aparente frieza dos números, que subdividem as vítimas em mortos, vivos e feridos, existem as histórias que revelam nuances que atravessam essa classificação. Na terça (7), nossos correspondentes trouxeram o relato da menina palestina que chegou ao hospital ferida e deu um grito de felicidade ao encontrar a irmã e descobrir que estava viva. Dias antes, soubemos de um pai que resolveu separar seus dois filhos, deixando um com um parente, para aumentar a chance de um deles sobreviver e levar adiante a genética e a história familiar. Afinal, se a casa dele fosse bombardeada, provavelmente ambos morreriam.
No último domingo (5), líderes de diversas agências da ONU e outras organizações humanitárias divulgaram um comunicado conjunto chamando de “ultraje” as mortes de civis em Gaza e exigindo cessar-fogo imediato, além da entrada de mais ajuda humanitária e de combustível em Gaza. Tal manifestação se soma a outras tantas do secretário-geral da ONU, António Guterres, que tem constantemente apontado excessos por parte de Israel.
A ONU sediou discussões acaloradas sobre o tema, mas sem efeito. O Brasil buscou um consenso sobre ajuda humanitária no âmbito do Conselho de Segurança, mas o apoio dos Estados Unidos a Israel vetou qualquer resolução nesse sentido, sob o argumento de que o país, uma vez que foi agredido, teria o direito de contra-atacar até atingir seu objetivo de destruir o Hamas. Enquanto isso, os EUA conseguem retirar seus cidadãos de Gaza, mas o Brasil, não.
O suporte incondicional dos EUA a Israel, feito de armamentos e discursos, provocou a maior manifestação de apoio à Palestina da sua história na capital do país, Washington, com cerca de 300 mil pessoas. “Biden mata bebês” e “mais de 10 mil massacrados por Israel” foram slogans exibidos em algumas faixas.
Estamos acompanhando manifestações assim se espalharem pelo mundo ao mesmo tempo em que vemos um agravamento da situação. Mais campos de refugiados foram bombardeados, uma ambulância foi alvejada, ataques aéreos contra o norte de Gaza foram intensificados, além de um novo blecaute no fornecimento de sinal de internet e telefonia — já houve três neste primeiro mês de guerra.
Além das mortes, calcula-se em 2 mil a quantidade de desaparecidos, provavelmente sob escombros de edifícios destruídos, sendo que 1.250 devem ser crianças, segundo a UNRWA. Alguns saem com vida, mas o drama segue com a falta de condições para tratamento de vítimas, uma vez que o sistema de saúde em Gaza colapsou por falta de combustível, remédios e equipamentos, sem falar nos danos estruturais aos hospitais e à malha rodoviária, o que torna o transporte praticamente impossível.
“Não há lugar seguro. Nem hospitais, nem campos de refugiados, escolas, nada”, afirmou Abeer Athammeh, de 50 anos, mãe e moradora do campo de refugiados Maghazi, bombardeado no último sábado (4), num ataque que deixou ao menos 40 mortos e 35 feridos, segundo o Ministério da Saúde de Gaza. “Para onde querem que a gente vá? Não temos para onde ir”.
Estima-se que cerca de 800 mil pessoas tenham fugido para o sul desde o dia 12 de outubro, quando Israel deu um ultimato para que 1,1 milhão de palestinos deixassem o norte de Gaza, região onde os militares israelenses pretendem intensificar os ataques aos militantes e à infraestrutura do Hamas.
O problema é que Israel não parou de bombardear o sul e os civis seguem morrendo, mesmo em um lugar onde deveria haver mais tranquilidade para o cruzamento da fronteira com o Egito e a fuga do massacre. Ontem mesmo, chegou uma foto de crianças e jovens fugindo em desespero após um bombardeio na cidade de Rafah, que fica no sul.
Philippe Lazzarini, da UNRWA, descreve a tragédia humana em Gaza como “intolerável” e reitera que não há lugar seguro em Gaza. Para ele, o bombardeio, as ordens de evacuação e o cerco de Israel configuram “deslocamento forçado” e “punição coletiva”.
Tudo indica que estamos falando de crimes de guerra, algo que, assim se espera, será avaliado em tribunais. Se o Tribunal Penal Internacional, do qual Israel, EUA e outras potências não são signatários, não puder fazer algo a respeito, a história dirá o que aconteceu no Oriente Médio nesta triste primavera de 2023.
Um abraço e sigamos do lado certo da história,
Julio Adamor – Repórter de Internacional