Por que o fechamento do El País é grave

Uma notícia pegou jornalistas e leitores de surpresa na manhã de 14 de dezembro: a versão brasileira do site espanhol El País encerrou suas atividades. Em menos de dois anos, três versões brasileiras de grandes veículos internacionais fecharam as portas: antes do El País, o BuzzFeed News e o Huffpost já haviam deixado o Brasil em 2020. Notícias como essa têm gosto um pouco mais amargo para nós porque, além de colegas, estivemos juntos no front: El País e BuzzFeed News foram parceiros do Intercept na publicação da Vaza Jato. Além de triste, o cenário é grave: ele escancara a fragilidade da imprensa em um momento histórico crucial para a democracia. 

Ao menos nos casos do El País e do BuzzFeed News, as notas oficiais deixaram claro que o que tornou a operação impossível foi um velho conhecido das redações do século 21: o dreno financeiro das publicações. Desde que o jornal migrou das bancas para o digital e a ideia de assinatura de um veículo fechado envelheceu, as redações vivem uma batalha diária para repensar sua sustentabilidade financeira. Quando se trata de redações independentes, o problema é acrescido de outro: não é só que não temos anunciantes, nós não queremos esse apoio. O preço dele muitas vezes é derrubar reportagens que incomodam poderosos.

El País Brasil passou a integrar a equipe de apuração dos dados da Vaza Jato em agosto de 2019. A parceria rendeu reportagens excelentes. Uma delas, "Como os grandes bancos escaparam da Lava Jato", que eu e a nossa editora Paula Bianchi assinamos com os colegas Marina Rossi, Regiane Oliveira e Daniel Haidar. O texto mostrou como os procuradores da Lava Jato tiveram ciência, mas fizeram vista grossa para suspeitas de crimes graves cometidos pelo setor bancário — desde o eventual silêncio sobre movimentações ilícitas até o uso de informações privilegiadas do Banco Central que renderiam lucros aos bancos. E ajudou a desmascarar o mito de que a Lava Jato punia sem olhar a quem.

Fechamento de veículos, seja você um fã ou crítico de suas linhas editoriais, é sempre algo a lamentar. Uma redação que fecha são diversos pontos de vista, vivências, questionamentos e vozes que se calam — sem entrar no mérito da crise do jornalismo, com dezenas de profissionais demitidos. São criminosos e abusadores que deixam de ser denunciados, esquemas de corrupção que deixam de ser debelados, cenários e mudanças que deixam de ser analisados. Péssimo para a democracia, excelente para governos autoritários. É a esse ponto que quero chegar: perder tantos veículos jornalísticos às barbas das eleições mais importantes das últimas décadas é um risco enorme. 

O clima entre os jornalistas sempre é de desalento e, claro, medo em relação ao futuro quando uma notícia dessas chega aos nossos grupos. Não é para menos. Mas, na esteira das perdas, das demissões e dos finais, é urgente repensarmos recomeços. Não acreditamos que uma profissão essencial para a democracia possa simplesmente deixar de existir. Por séculos, o jornalismo lutou para defender direitos, derrubou governos corruptos, anunciou o novo. Errou muito, também, claro. Mas, às vésperas de um ano eleitoral que pode aprofundar a dramática crise institucional em que vivemos, precisamos acreditar que ainda há muito há ser feito: ainda há muito o que acertar.

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