Briga de gangues

Moro não tem problemas éticos, desde que seus interesses estejam contemplados 

OK, não é uma resenha. Eu não gastaria o dia de vocês com isso. Vocês sabem que Sérgio Moro lançou um livro, não sabem? Vou apenas ressaltar a parte mais importante logo abaixo, mas, antes, em suma: a obra é uma peça de defesa do ex-juiz. Em suas mal escritas páginas – sem pegação no pé, é de uma pobreza atroz mesmo – o ex-aliado e ministro de Jair Bolsonaro justifica todos os seus atos que levaram o bolsonarismo ao poder, do levantamento de sigilo da delação vazia de Antônio Palocci nas barbas da eleição (alimento ao anti-petismo) aos chats publicados nas 109 reportagens da Vaza Jato.

Dois exemplos e depois vou ao que realmente importa. Moro tem um problema sério com a lógica. Diz que o episódio Palocci não interferiu na eleição porque “não foi no segundo turno” (?) e argumenta que as “supostas conversas” publicadas pelo Intercept estavam “fora de contexto”.

Ora, mas se são “supostas” conversas, ou seja, se ele questiona a autenticidade dos diálogos, então não seria necessário falar em contexto, certo? Se contam uma mentira sobre você o contexto é irrelevante. Mentira é mentira, independe de observações colaterais. Mas eu, vocês e Sérgio sabemos que não há suposições no que ele escreveu no Telegram. Tanto que ele próprio pediu “escusas” por chamar os tontos do MBL, no Telegram, em confidência a Deltan Dallagnol, de tontos. Alguém aqui já pediu desculpas por algo que não disse? Moro não se dá mesmo bem com a dialética. Como ex-juiz, deveria saber que tem horas que o melhor é ficar calado.

Mas há uma confissão detalhada importante nas tortas páginas morísticas. Ela deveria produzir uma manchete importante na imprensa brasileira. Eis:

"Moro concordou com troca do comando da PF proposta por Bolsonaro, desde que ele indicasse o novo diretor".

Alguém viu essa manchete por ai? Sergio Moro confessou isso em seu livro. Parece notícia? Sim, porque é notícia. E não: essa manchete não foi escrita por nenhum grande meio de comunicação do país. 

​​Vamos fazer uma análise bastante objetiva deste trecho do livro. Porque a troca do comando da PF pelo Bolsonaro parou a imprensa na época. É notícia, certo? Claro que sim. O motivo do presidente era claro: proteger Flavio. Moro, em livro, diz textualmente isso aqui:

Depois, isso:

E, finalmente, isso:

Em resumo: Moro titubeou, caiu em si (diz ele) que aquilo era uma armadilha, sabia que o presidente queria trocar o diretor por motivos pessoais, então ACEITOU desde que ele, Moro, indicasse os nomes.

Ou seja: era disputa de poder pura e simples.

E mesmo a solução Moro – colocar alguém indicado por ele – protegeria Flavio, porque tiraria de rota os delegados do Rio e de BSB que estavam importunando Bolsonaro com suas investigações. A troca "puniria", segundo Moro, o então delegado Valeixo. Moro superaria a punição, desde que indicasse um amigo.

Entenderam?

Se na época isso já era ventilado, agora está em livro, uma confissão de próprio punho. Moro aceitaria fazer parte de uma trama para punir delegados da PF. Uma punição que protegeria Flavio Bolsonaro da investigação do roubo de dinheiro de funcionários de seu gabinete. Enfim, Moro agiu exatamente como bem apontou ninguém menos que o insuspeito Deltan. Não surpreende, mas que fique registrado para 2022.

PS. Agora que poupei o esforço mental e o dinheiro de todos vocês, comprem o livro que realmente importa: Jornalismo Wando e os personagens bizarros que explicam a nova política. Na semana que vem estaremos no lançamento no Rio de Janeiro. Será na livraria Folha Seca (Rua do Ouvidor, 37 - Centro) a partir das 19h. Quem chegar por lá e disser "peço escusas, mas o senhor poderia me pagar uma cerveja?", eu pago.

Abraços!


 
Leandro Demori
Editor-Executivo 
The Intercept

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