O papel do jornalismo na onda de protestos em cidades do interior

Escrito por: Carlos Castilho 
Fonte: Observatório da Imprensa

Começou no interior do Paraná e depois se expandiu para municípios gaúchos, paranaenses, goianos e baianos. Nas últimas semanas o noticiário nacional começou a prestar mais atenção a uma serie de explosões de descontentamento e protestos populares tendo como alvo prefeitos e vereadores acusados de corrupção, má administração e autoritarismo político.

O fenômeno da revolta cidadã a nível municipal tem todas as condições de se transformar num processo nacional porque os fatos que agora começam a ganhar espaço na imprensa são bem mais frequentes e até mais graves do que os que chegam ao conhecimento da opinião publica.

O paradoxal é que a maioria das denúncias de corrupção e má administração do dinheiro público está sendo feita pela mídia nacional enquanto os jornais locais, salvo raras e honrosas exceções, primam pela ausência de preocupação investigativa e empenho em servir de fórum para debates sobre problemas e propostas comunitárias.

A grande imprensa pode dar repercussão nacional e conotações partidárias à onda de descontentamento que começa a expandir-se pelo interior do país, quando populações cansadas de exploração politica começam a tomar iniciativas por conta própria, nem sempre as mais eficientes e oportunas. Mas é a imprensa local que deve viabilizar o debate escamoteado pelos políticos locais e servir de plataforma para a busca de soluções.

Trata-se de um papel histórico e transcendental que vem sendo sistematicamente substituído pela busca de lucro e prestigio pessoal dos donos de jornais, emissoras de rádio e de televisão de âmbito regional e municipal.

Começa a se generalizar um clima de insatisfação das pessoas contra administrações municipais transformadas em feudos de interesses partidários e pessoais. Trata-se de um fenômeno positivo porque transforma os cidadãos em protagonistas ativos na gestão pública, mas o desenrolar deste processo passa por um aprendizado politico, onde a imprensa tem uma função insubstituível.

Tudo isto gera a necessidade de um novo olhar sobre a imprensa local, porque as exigências que começam a recair sobre ela sobre passam as estratégias editoriais da maioria dos atuais donos de negócios jornalísticos municipais e regionais. O conhecimento disponível sobre a imprensa local no Brasil é mínimo. Há informações sobre performance comercial dos veículos, mas quase nada sobre produção de notícias, hábitos dos leitores e principalmente do grau de confiabilidade no que é publicado.

Uma pesquisa recente feita no estado norte-americano de Nova Jersey chegou a uma conclusão impactante e que provavelmente se repetiria n Brasil, caso alguma universidade ou instituto privado nacional decidisse fazer um trabalho semelhante. A pesquisa estudou três comunidades com níveis econômicos diferentes e chegou às seguintes conclusões:

A comunidade mais rica tinha 10 vezes mais veículos jornalísticos do que a comunidade mais pobre;

A imprensa da comunidade mais rica produziu 23 vezes mais notícias do que a da comunidade mais pobre;
Nas redes sociais, o número de postagens com noticias na comunidade mais rica superou em 20 vezes o da região mais pobre;

O dado mais impressionante: a comunidade mais rica produziu 35 vezes mais informações relacionadas às necessidades criticas da população local do que o conjunto da imprensa e redes sociais no município mais pobre, na amostra estudada.

Estes dados materializam, não apenas a flagrante desigualdade e exclusão informativas, mas principalmente um problema gravíssimo e recorrente. As comunidades mais pobres são as que apresentam maiores problemas urbanos e são também aquelas onde o descontentamento se expressa de forma mais explosiva, mas são as que menos informações dispõem sobre sua própria realidade e formas de resolver os dilemas vividos pela população.

A classe média urbana brasileira já está acostumada a protestos de comunidades pobres na beira de estradas e grandes avenidas, com consequente congestionamento e desorganização do fluxo viário. A falta de solução para os problemas das comunidades marginalizadas é causada, entre outros fatores, pela falta de informação tanto da população como dos administradores. Fornecendo informações às pessoas, elas podem combinar a sua experiência diária na vivência dos problemas com os dados necessários para buscar a solução mais adequada.

O papel da imprensa não é servir de pódio para os políticos e gestores, muito menos de trazer soluções prontas, geralmente importadas de outras regiões. Sua função fundamental é ouvir as pessoas para identificar problemas, investigá-los com o conhecimento técnico que dispõem no manejo da informação, oferecer alternativas para que a população escolha a solução mais adequada às condições locais, e principalmente servir de plataforma para o debate entre moradores.

O despertar reivindicatório dos habitantes de municípios do interior do Brasil, é mais visível nas comunidades com maior nível de renda e da informação, porque as pessoas dispõem de informações que permitem perceber de forma mais clara os contrastes, injustiças, ilegalidades e o arbítrio. Mas os problemas que podem afetar a diretamente vida de todos nós estão nas regiões mais pobres. A classe média do Rio, São Paulo e Brasília pode testemunhar este fato quase que semanalmente, com os bloqueios de estradas e avenidas. Quem já perdeu um voo ou um compromisso importante por causa de um bloqueio sabe as consequências.

A passividade do jornalismo local diante da efervescência social em comunidades do interior pode ser o tiro de misericórdia num negócio cuja sobrevivência ficará ainda mais ameaçada caso não haja uma mudança profunda e rápida de percepção de seu papel social. Quem perde não é só o empresário, mas principalmente a população de precisa de informações sobre o local onde mora ou trabalha para poder tomar decisões sobre os problemas que a afligem.

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Carlos Castilho é jornalista e editor do website do Observatório da Imprensa - FNDC

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