Remédios vendidos livremente em feiras livres

Sem receita, remédios são comercializados em feiras livres. O POVO flagrou a venda irregular de medicamentos em três feiras livres. Em bancas ou com pessoas circulando, remédios que deveriam ser vendidos apenas com retenção de receita são ofertados indiscriminadamente.

Quanto você acha que custa uma cartela de Cloridrato de Tetraciclina? Nas farmácias, o preço médio é R$ 10 e a comercialização acontece somente com retenção da receita pelos estabelecimentos. Em feiras livres de Fortaleza, entretanto, há remédios de toda ordem sendo vendidos. Por módicos R$ 5 é possível comprar uma cartela com 12 comprimidos do antibiótico citado. Sem prescrição médica. Sem parâmetros. Sem qualquer controle ou fiscalização. Basta chegar na banca ou encontrar o ambulante. O POVO visitou três feiras livres da Capital e detectou a mesma situação: remédios de uso restrito, utilizados para tratar doenças graves, são negociados abertamente.

“Vale o gosto do freguês”, descreve um vendedor, que não aparentava ter mais de 16 anos, na Praia do Futuro. Ele e a irmã, também adolescente, eram responsáveis pela banca sortida de remédios. Aos sábados, entre as ruas Professor Murilo da Silveira e Pintor Antônio Bandeira – além dos feirantes negociando hortaliças, queijos e roupas –, há uma banca específica para medicamentos. Em conjunto, cartelas das substâncias Amoxilina, Cefalexina e Cloridrato de Tetraciclina foram adquiridas por R$ 12. Nenhuma prescrição médica foi solicitada no ato da compra. Também não há parâmetro para a aquisição. Pouco importa se vários tipos de antibióticos são procurados. Comprando com variedade é possível até conseguir um bom desconto. “Pode tomar este aí (Cefalexina) junto com Ibuprofeno. Toma por sete dias, de seis em seis horas. Passa todo tipo de doença. É certeiro”, diz uma cliente.

Efeitos colaterais

Ingerir qualquer medicação sem indicação médica é um (grave) risco para a saúde. A Amoxilina, por exemplo, pode causar diarreia, enjoo, erupções cutâneas, urticária, inchaço na face, lábios e língua, falta de ar, respiração ofegante, perda de apetite e febre. A lista de males tem desdobramentos. Mas, para além dos efeitos colaterais, explica Elton Braga, fiscal do Conselho Regional de Farmácia (CRF), a utilização incorreta de antimicrobianos colabora com a formação de bactérias mais resistentes. “Quando é noticiada alguma superbactéria, elas existem pela má utilização ou utilização irresponsável dos antimicrobianos. Eles devem ser dispensados através da retenção de receita médica – para haver controle sobre qual dispensar e por quanto tempo”, afirma.

Elton explica que a comoção causada pelo aparecimento de superbactérias colaborou para endurecer as legislações. Agora, nas farmácias e drogarias, é necessário deixar as prescrições ao adquirir determinadas substâncias. E os profissionais cadastram os medicamentos vendidos, semanalmente, em sistema online da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Em fiscalizações, executadas pela Vigilância Sanitária do município, é avaliado se os procedimentos condizem com a realidade. Quando não, os estabelecimentos respondem processos e/ou pagam multas. Para as substâncias vendidas em feiras livres ou estabelecimentos sem alvará para este fim, entretanto, não há chance da fiscalização atuar. Como não faz parte da natureza deles vender remédios, as inspeções não acontecem. Vender remédios em feiras livres, portanto, é caso de Polícia.

Na feira que fica entre as ruas Professor Murilo da Silveira e
Pintor Antônio Bandeira, na Praia do Futuro, a banca de remédios
é sortida e conta com diferentes opções de antibióticos
Nos arredores da Feira da Sé também não foi difícil adquirir medicamentos. “A turma do remédio, os que passam anunciando, já foi embora. Mas ali na lanchonete tem”, indica uma ambulante. Cada pílula de Ocylin – Amoxilina Tri-Hidratada, de 500 mg, custou R$ 1. O POVO conseguiu comprar nove. O décimo comprimido da cartela já havia sido vendido, ficando apenas a marca recortada. A aquisição foi feita em uma lanchonete localizada no pavilhão popularmente conhecido como Buraco da Gia. O estabelecimento fica ao lado do Paço Municipal, sede da Prefeitura de Fortaleza.

Nesta segunda-feira, O POVO encaminhará os medicamentos adquiridos durante a apuração desta reportagem ao Ministério Público Estadual (MPCE). Cópias da descrição das substâncias também serão enviadas ao Conselho Regional de Farmácia (CRF), à Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e à Vigilância Sanitária do Município.

O POVO também visitou a Feira da Parangaba, popular Feira dos Pássaros, que ocorre aos domingos. Lá, foram comprados quatro tipos diferentes de medicamentos, incluindo três antibióticos. O valor total da aquisição foi R$ 17. O vendedor passava entre as bancas, com um cesto, e a escolha podia ser feita sem qualquer critério.

Além dos medicamentos adquiridos durante a apuração desta reportagem, outros remédios eram disponibilizados para venda. Analgésicos, vitaminas, antitérmicos e até antialérgicos foram encontrados com facilidade. Entre os compradores, conforme apurou O POVO, muitos idosos buscando tratamento para dores de garganta.

A lista de medicamentos adquiridos nas feiras livres foi enviada para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em nota, o órgão informou que tomará todas as medidas sanitárias cabíveis. “A agência solicitará aos fabricantes dos medicamentos informações para rastrear os lotes indicados na denúncia e verificar se as empresas produziram os lotes e para onde foram vendidos ou distribuídos. A partir das informações rastreadas, a Anvisa abrirá uma investigação em conjunto com a vigilância sanitária local para adotar as medidas de responsabilização e punição dos envolvidos”.

Serviço 

Como denunciar :

Quem tiver informações sobre a venda irregular de medicamentos deve encaminhar a denúncia à Vigilância Sanitária pelo telefone 150

Laboratórios

O POVO encaminhou questionamentos aos fabricantes dos medicamentos adquiridos em três feiras livres de Fortaleza. O intuito era descobrir qual a origem deles e como eles chegaram ao comércio ilegal.

O laboratório Prati-Donaduzzi – que produz dois dos medicamentos adquiridos– informou que trabalha com transparência para oferecer e distribuir medicamentos genéricos de qualidade para todo o Brasil seguindo as regras exigidas pela Anvisa. “A empresa possui clientes em todo o Brasil que fazem aquisições diretamente com o laboratório e eventualmente revende os medicamentos para outros estabelecimentos autorizados. Até o momento, a farmacêutica não identificou irregularidades com os parceiros que receberam os lotes dos medicamentos Cloridrato de Tetraciclina (lote: 14L215) e Ibuprofeno (lote: 15d93m). Caso alguma anormalidade seja diagnosticada pela Prati-Donaduzzi, a empresa tomará medidas cabíveis para solucionar o problema”, diz a nota enviada pela assessoria de imprensa.

Já a Multilab, responsável pela produção dos outros medicamentos, afirmou em nota que os lotes descritos “foram faturados para um distribuidor que está autorizado a vender os produtos para o varejo e/ou para o mercado hospitalar. Essa venda, por sua vez, pode ser feita a hospitais públicos e/ou privados”. A empresa também ressaltou que, até o momento, “não teve conhecimento, por meio de seus canais de contato, sobre relatos envolvendo desvio de medicamentos e vendas em estabelecimentos não credenciados dos produtos em questão. A empresa reitera que se colocará à disposição das autoridades para colaborar com possíveis investigações e esclarecimentos”.

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