Na Síria, o alvo agora é a Al-Qaeda

Pelo menos por enquanto, a luta contra Assad foi deixada de lado. Os rebeldes radicais estão em guerra contra seus ex-aliados ainda mais radicais.

Em Aleppo, moradores acompanham o enterro
de um homem morto no conflito entre rebeldes sírios
Bashar al-Assad deve estar aliviado. Desde 3 de janeiro, suas tropas desfrutam de uma inesperada trégua, provocada não pelos esforços internacionais em favor da paz na Síria, mas por um conflito entre os rebeldes – muitos deles religiosos radicais – que até pouco tempo atrás estavam unidos contra o regime de Damasco. A disputa interna entre os opositores de Assad, iniciada com ataques verbais em 2013, evoluiu para um confronto militar nos últimos dias, e a tendência é que acabe com a oposição ainda mais enfraquecida.

O foco do confronto no interior da oposição síria é um grupo chamado Estado Islâmico do Iraque e do Levante, conhecido pelo acrônimo em inglês ISIL. Esta facção é o braço iraquiano da rede terrorista Al-Qaeda e, desde 2013, atua na Síria. Formado por combatentes de dezenas de países diferentes, o ISIL alienou muitos rebeldes ao tentar dominar a oposição e por realizar sequestros e assassinatos contra aqueles que deveriam ser seus aliados na guerra contra Assad. Muitos desses ataques tinham como fonte uma diferença ideológica. Enquanto o ISIL deseja estabelecer um Estado islâmico no Levante (região que engloba, a grosso modo, a Síria, o Líbano, a Palestina e Israel), os outros rebeldes querem centrar suas ações na destituição do regime Assad.

No fim de 2013, a relação das duas partes, que se deteriorou ao longo do segundo semestre do ano, chegou a um impasse. Na sexta-feira 3, se tornou um confronto militar. Segundo o Carnegie Endowment For International Peace, uma instituição norte-americana, três grupos diferentes realizaram ataques simultâneos contra bases e áreas dominadas pelo ISIL:

- O Exército Mujahedin, formado no dia do ataque ao ISIL por diversos grupos, alguns seculares, outros salafistas e outros ligados à Irmandade Muçulmana da Síria, que em comum, têm a rivalidade com a Al-Qaeda;

- a Frente dos Revolucionários da Síria, formada em dezembro para unir as brigadas do Exército Livre da Síria, conglomerado de combatentes seculares anti-Assad;

- e a Frente Islâmica, formada em novembro por sete dos maiores grupos rebeldes da Síria.

A ofensiva foi sangrenta. Nos últimos cinco dias, morreram pelo menos 300 pessoas, incluindo dezenas de civis, segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos, que monitora o confronto a partir do Reino Unido. No campo de batalha, o ISIL foi acuado e perdeu pelo menos uma importante base em Aleppo, cidade no norte da Síria.

Para somar complexidade ao confronto, uma proposta de solução foi lançada por outro grupo rebelde importante, a Frente al-Nusra, que não se envolveu no conflito dos últimos dias entre o ISIL e as outras três facções. Como o ISIL, a Frente al-Nusra prestou juramento à Al-Qaeda, mas, como os outros grupos rebeldes, tem como foco a derrubada de Assad e não a criação de um Estado islâmico. Segundo reportagem publicada pelo jornal The New York Times na quarta-feira 8, um líder da Frente Al-Nusra propôs  o estabelecimento de um tribunal religioso para mediar as disputas e colocar fim ao conflito interno. Não se sabe ainda qual o resultado da proposta.

Potências buscam influência sobre rebeldes
A ofensiva contra a Al-Qaeda é, muito provavelmente, uma iniciativa da Arábia Saudita e de outros países do Golfo, principais financiadores dos rebeldes. Para esses governos, derrubar Assad é uma questão estratégica, pois este é aliado do Irã, seu principal inimigo regional. Fortalecer a Al-Qaeda, entretanto, é um risco que as monarquias árabes não podem correr. A ideologia da rede terrorista e das monarquias do Golfo é parecida, mas a da Al-Qaeda é levemente mais radical e pode, no limite, colocar em risco o poder dos regimes monárquicos.

Isso cria um dilema para esses regimes: ao mesmo tempo em que é preciso manter a pressão sobre Assad, é necessário conter a rede terrorista. Apesar do sucesso inicial da ofensiva dos últimos dias, o segundo objetivo está longe de ser alcançado. Isolado, o ISIL deve recorrer a métodos mais violentos, como carros e homens-bomba. Além disso, a Frente al-Nusra, também filiada à Al-Qaeda, segue na ativa e não parece incomodar tanto os rebeldes mais moderados.

Para os Estados Unidos, a mesma dubiedade está posta há alguns meses. Agora, entretanto, há uma diferença importante. Não parece ser mais factível montar uma oposição a Assad dominada por combatentes seculares, como foi o Exército Livre da Síria. Auxiliar grupos de religiosos radicais, e que eventualmente atuem lado a lado com a Al-Qaeda (representada pela Frente al-Nusra), pode ser a única forma de Washington ter alguma influência nos rumos da Síria. Na verdade, essa aliança pode estar em curso. A ofensiva desta semana contra o ISIL na Síria coincide com o ataque do governo do Iraque, apoiado pelos EUA, ao mesmo ISIL, mas na província de Anbar, no leste do Iraque, onde a Al-Qaeda tomou alguns territórios. Aparentemente, em nenhum outro lugar no Oriente Médio os ideais e os interesses norte-americanos entraram em choque de forma tão clamorosa.

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