O fim da liberdade na internet?


Lobby de grandes blocos econômicos mostra suas forças e garante o quinto adiamento consecutivo da votação do Marco Civil da Internet. Projeto pioneiro criado no Brasil pode sofrer revés e distorção, restringindo de forma violenta o uso da rede
*por Irlan Simões - Revista Rever

Na terça-feira, 20 de Novembro, ao encerrar mais uma sessão do Plenário da Câmara o deputado gaúcho e presidente da casa, Marcos Maia (PT), afirmou em tom de indignação: “A questão não está sendo tratada com a devida prioridade. Mais uma vez adiamos a votação, o que significa que há uma vontade do plenário de não votar o projeto”.
O deputado se referia à opção dos colegas em retirar da pauta do dia a votação do Marco Civil da Internet, projeto que se arrasta no Congresso desde 2010, e tem como proposta regular as atividades na rede. Naquele dia o projeto deixou de ser votado pela quinta vez consecutiva, e só deve retornar à pauta em 2013.

Partidos como PDT e PTB pediram a retirada do tema alegando que pretendem pressionar a votação do Fator Previdenciario, assunto muito distinto do que estava em pauta na terça-feira. Outros partidos, a exemplo do PMDB e PSD alegam que é preciso mais tempo para discutir o tema, mostrando discordancia com alguns pontos.

Esse segundo grupo, liderado pelo carioca Eduardo Cunha (PMDB), acredita que a votação deve se dar após a conferência da União Internacional das Telecomunicações, evento da Organização das Nações Unidas, que será realizado em Dubai, já em Dezembro de 2012.

O relator do projeto, o também petista Alessandro Molon, foi claro quanto à sua insatisfação com mais uma obstrução, numa entrevista ao jornal O Globo: “Quem defende deixar para depois de Dubai tem uma posição de colônia. Nunca vi se adiar projeto por discordância de um artigo. Quem é contra um artigo emenda e destaca e manifesta. No fundo o que está se buscando é protelação para evitar a votação. A Câmara tem que ter coragem de votar o projeto”.

Em entrevista à REVER, o advogado Guilherme Varella explicou a importância do projeto: “O Marco Civil da Internet cria regras gerais da questão dos conteúdos na rede. Com ele, você cria uma segurança jurídica para relação na internet, incentiva como princípio a liberdade de expressão”, afirmou.

Guilherme Varella é membro da gerencia técnica do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), uma das organizações civis que acompanhou a elaboração e a construção do Marco Civil da Internet. Para ele a construção do Marco Civil “representou um novo paradigma de contrução normativa”, já que foi a primeira lei que se utilizou da rede e da participação dos usuários da internet na sua elaboração.

“É a própria materialização de todo esse potencial de cidadania que a internet tem”, acredita o advogado ao ressaltar a importância da rede e da garantia da sua liberdade nos dias de hoje.

Interesses privados que interferem no projeto
Os maiores meios midiáticos brasileiros, historicamente vinculados aos grupos que tem interesse no tema, alegam que o projeto não é encaminhado por conta dos acordos políticos que tentam definir outras prioridades de votação.

“Existem dois grandes grupos econômicos que serão afetados com a nova lei e por isso estão operando para que ela não seja aprovada ou mesmo para que não se faça o debate de forma franca. São eles: as multinacionais de telecomunicações e a indústria cultural”, foi o que afirmou Pedro Ekman, coordenador do Intervozes – Coletivo de Comunicação Social, também em entrevista à REVER.

Esses blocos econômicos reagem por dois motivos distintos, mas que coincidem na tentativa de criar uma forma de regulação na internet que, invariavelmente, restringe os direitos dos usuários em detrimento dos interesses particulares dessas empresas. O representante do Intervozes, assim como do IDEC, são categóricos em seus posicionamentos ao identificar esses atores de forma mais precisa.

No Brasil os intermediários da indústria cultural, como a Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), a Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD), o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) e a Motion Picture Association of America já se posicionaram contrários ao texto que prevê o princípio da “inimputabilidade de rede”.

Por sua vez, as empresas de telecomunicações, articuladas em torno do SindiTeleBrasil, estão se posicionando abertamente contra a votação do Marco Regulatório, por “desacordo com os textos” que discutem o tema da “neutralidade de rede”.

Esses dois pontos centrais são os que estão em disputa no Marco Civil. “Nós temos o receio de que esse texto comece a perder seu caráter inicial e a sociedade civil retire o seu apoio ao projeto. Assim ele será meramente um projeto empresarial que só vai atrapalhar a internet no Brasil, ao invés de ajudar”, lamentou Guilherme Varella.

Industria Cultural e “Inimputabilidade de Rede”
Às vésperas da sessão que discutiria novamente a votação do Marco Civil da Internet, no dia 7 de Novembro, um substitutivo foi lançado sobre o original. O novo texto previa a inserção de um segundo parágrafo ao artigo 15, referente à “inimputabilidade de rede”.

Esse tema, fundamental para os novos tempos de compartilhamento da internet, prevê a criação uma norma jurídica que regula de forma mais equilibrada os conteúdos dispostos na rede, evitando a interferência privada na liberdade da internet.

Com a aprovação do novo texto, estaria aberta uma exceção que favoreceria apenas à industria cultural: em casos de compartilhamentos de arquivos registrados sob propriedade intelectual, não seria necessária o intermédio da Justiça.
“A segurança jurídica fica perdida dessa forma. Isso é ruim porque num provedor (como o Facebook, ou a Localweb), no qual ousuário posta um vídeo de um show que ele foi, ou uma música, ele fica sujeito a punições. O titular do direito autoral reinvidica a retirada daquele conteúdo sem intermédio de uma ação judicial”, frisa Guilherme Varella, justificando a necessidade da retirada deste substitutivo.

O coordenador do Intervozes, Pedro Ekman, vai além e pontua a importância da regulação como fundamental para a liberdade de expressão; “Essa insegurança cria pretextos para censuras de ordem políticas que são bem mais graves e até comuns no caso brasileiro onde prefeitos pelo interior do país com um simples telefonema aos pequenos provedores locais retiram do ar blogs críticos as suas administrações”, afirma.

Caso passe esse texto substitutivo, uma grave distorção continuará existindo, prejudicando usuários braisleiros. Dados da Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus) apontam que em dois anos, 18 mil links relativos a conteúdo musical tiveram pedidos de remoção pelas entidades de direitos autorais listadas acima, quando 95% dos pedidos foram atendidos sem nenhum intermédio da Justiça.

Outras 50 mil notificaçoes foram realizadas para a retirada de conteúdos literários com a mesma taxa de atendimentos. Esse número se deu, em grande parte, pela não obrigação de uma decisão judicial pra que os provedores possam manter o conteúdo na rede sem receios. A matéria que você lê, neste momento, pode ser retirada do ar caso o autor de algumas das imagens postadas requisite, por exemplo.

A questão dos direitos autorais tem importancia vital no fucionamento da rede e no uso da mesma por coletivos independentes de produção cultural. Em Setembro, a Ministra da Cultura, Ana de Hollanda foi demitida após sofrer grandes críticas dos produtores culturais independentes, quando defendeu publicamente o fim de licenças alternativas e mais flexíveis sobre produtos culturais, como os creative commons ou o copyleft.

Multinacionais das Telecomunicações e a “Neutralidade de rede”
Eduardo Levy, diretor-executivo do Sindicato das Empresas de Telefonia do Brasil.

As grandes empresas de Telecomunicações passaram por um grande teste nos últimos meses após intervenções consecutivas da ANATEL, buscando regularizar seus serviços que passavam por grande desaprovação pelos seus consumidores. O que foi um gesto elogiado pelos cidadões brasileiros, mostrou-se uma exceção à parte e expôs que o poder das teles estava longe de ser controlado.

O tema da “Neutralidade de Rede” incomodava às teles enquanto uma medida que manteria fechadas algumas torneiras das suas fontes de lucro. “Elas são donas dos cabos. Não se trata de uma perda, mas vão deixar de ganhar, o que leva a uma resistência forte do setor”, afirmou o relator Alessandro Molon sobre a pressão que o projeto vem sofrendo das empresas de Telecomunicações.

O primeiro motivo a ser destacado é o impedimento, garantido pela lei, de que as teles definam diferentes formas de transmissão de dados ao uso da rede. Com isso, poderiam reduzir a qualidade da conexão para determinados serviços.
“Uma operadora que vende o serviço de voz (telefone fixo) não gostaria que os usuários tivessem um excelente tráfego se serviço de voz por IP [como o programa Skype], pois querem que ele consuma o serviço que ela vende e não do que é gratuito na rede”, explica Pedro Ekman. Para ele, a intenção é ter o direito de degradar a o tráfego da rede assim que identificado um serviço gratuito que compromete os outros serviços oferecidos – por altos custos – pelas próprias teles.

O segundo ponto, contido no artigo 12, se refere ao amarzenamento e venda de informações particulares dos usuários da internet, mais conhecido como “logs”. Esses dados são os mesmos utilizados por provedores como o Google para direcionar os links que são exibidos nas páginas da internet de cada usuário, em formato de publicidade.

Com o auxílio de algoritmos complexos, essas empresas conseguem criar padrões de distribuição de links e anúncios aos usuários de forma mais precisa. Para tanto negociam de forma mais vantajosa esses serviços com os anunciantes, justificando os seus valores pela precisão do software em questão.

É com base nisso que os provedores, ao disponibilizarem determinado serviço a um usuario comum, necessitam de uma confirmação de acordo de normas de uso de informações pessoais. Essa mina de ouro – que significa uma forma mais direta de publicidade, diferente de meios como a televisão e o impresso – é cobiçada pelas teles.

O próprio diretor executivo do SindiTeleBrasil, associação que reúne as empresas de telecomunicações, Eduardo Levy, afirmou que é uma questão de “tratamento isonômico, uma vez que os provedores de conteúdo pode guardas as informações”.

Pedro Ekman frisou a dimensão da segurança na internet que essa medida tem: “As teles querem poder guardar os dados dos usuários com fins comerciais, o que colocará o internauta sob constante investigação”, afirmou.

“Seria o mesmo que uma utilizar uma coleira eletrônica. Saberão não apenas onde estivemos, mas também o que fizemos. Tentando desviar da motivação comercial, alguns advogam a necessidade do monitoramento para prevenção de ciber crimes, mas isso seria o mesmo que presumir a culpa de todos, teríamos um verdadeiro AI-6 digital”, completou em entrevista o coordenador do Intervozes.
Perspectivas incertas para o futuro.

Segundo Guilherme Varella, do IDEC, o Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo estaria fazendo o jogo das teles.

A conferência da União Internacional das Telecomunicações acontecerá em Dubai, com a presença dos maiores conglomerados econômicos que dominam o setor em todo o mundo. As empresas que operam no Brasil são em sua maioria multinacionais, ou seja, não operam em uma única nacionalidade e vislumbram uma forma de regulação internacional.

Sobre o tema, Guilherme Varella, do IDEC, afirmou: “O processo da UIT foi obscuro, sem a devida participação social e com pouco tempo para uma discussão real e qualificada entre os diferentes atores envolvidos, especialmente a sociedade civil. Há sérios riscos de saírem decisões ruins de lá, considerando a natureza da UIT e a influência que as empresas lá dentro”. Ele também afirma, ao fim da entrevista que, sob comando de Paulo Bernardo, o Ministério das Comunicações estaria “fazendo o jogo das teles”.

Quando perguntado sobre a importância de discussões como a que envolve o Marco Civil da Internet, Pedro Ekman pontua que a pauta da Democratização da Comunicação não cabe apenas às organizações que a estudam, mas a todo conjunto dos movimentos sociais.

“Num país onde muitos direitos se naturalizaram como privilégios, a luta social assume uma complexidade ímpar. A democracia não se consolidará se não democratizarmos a comunicação. Assim como a luta pela reforma agrária não é uma luta apenas dos camponeses e a luta contra o machismo não é uma luta exclusiva das mulheres, a luta pela democratização da comunicação também é uma luta de todos”, concluiu.
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