SÃO PAULO - O escândalo do mensalão, tratado basicamente sob a ótica do prejuízo eleitoral ao PT, produziu, no final das contas, benefícios ao partido por forçar a renovação da sua seção paulista e projetar novas lideranças de seus quadros técnicos para disputar eleições.
Epitácio Pessoa/AE
Vitória de Lula nas eleições de 2006 retirou o problema da agenda partidária
É o que avalia o cientista político, professor e vice-coordenador do curso de administração pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marco Antonio Carvalho Teixeira. "Parecia o fim da história para os petistas. Membros da oposição chegaram a pedir a extinção do partido e a ameaçar o então presidente Lula de uma surra pública. Ao contrário do que muitos imaginam, o mensalão também produziu benefícios para o PT ao, praticamente, obrigar sua seção paulista a se renovar e, com isso, projetar novas lideranças recrutadas de seus quadros técnicos, para as disputas eleitorais."
Teixeira lembra que, na primeira eleição ocorrida após o escândalo ser deflagrado, em 2006, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi reeleito, o tema foi explorado pela oposição, que chegou a considerar Lula "previamente derrotado". "Com a vitória do petista, o problema saiu da agenda partidária", comenta, ressaltando que o peso político das lideranças envolvidas ajudaram a entender a "inexistência de medidas imediatas no próprio PT". Já em 2008, Teixeira afirma que o tema foi menos usado. "Nas eleições de 2008, o mensalão foi pouco explorado e o fraco desempenho do partido em algumas capitais, como São Paulo e Porto Alegre, pode ser atribuído às dificuldades de seus candidatos."
Teixeira afirma que em 2010, com a impossibilidade de Lula reeleger-se, o partido se viu na necessidade de "construir" uma nova alternativa. "Era preciso alguém sem passado político eleitoral. Dessa forma, chegou-se ao nome de Dilma Rousseff, um quadro com pouco tempo nas fileiras petistas e que tinha trajetória anterior de militância política no PDT brizolista", avalia.
Ele destaca duas razões que garantiram o nome de Dilma como candidata à Presidência em 2010: "A primeira foi a perda de prestígio das lideranças nacionais do PT diante da repercussão negativa do mensalão. A segunda decorre do fato de Lula ter percebido a necessidade de se construir uma alternativa e jogar todo o prestígio político de seu governo na viabilização eleitoral na construção desse nome. Foi assim que Dilma, até então uma técnica sem militância partidária orgânica, tornou-se candidata e foi eleita presidente da República."
Novamente em 2012 o mensalão voltou ao centro das preocupações eleitorais, já que o julgamento do escândalo seria realizado paralelamente ao pleito. Teixeira afirma que o partido teve a "necessidade de lançar candidatos sem vínculos com esse escândalo, e que representassem uma nova perspectiva de conduta política frente aos eleitores". E cita exemplos de como o partido contornou a situação no Estado de São Paulo.
Haddad. Na capital de São Paulo, ele avalia que a "escolha pessoal" de Lula por lançar o ex-ministro da Educação Fernando Haddad à Prefeitura teve duas razões: a alta de rejeição da ex-prefeita Marta Suplicy, que a tornava "inviável" e ao fato de ele não ter ligações diretas com o mensalão ou lideranças paulistas ligadas ao escândalo. "(Agora) Haddad disputa o segundo turno com amplas chances de se tornar prefeito de São Paulo depois de patinar com cerca de 3% das intenções de votos até o início de agosto. Ou seja, o seu crescimento deu-se no auge da repercussão do julgamento do mensalão no STF", ressalta Teixeira.
Campinas. A candidatura do economista e ex-presidente do IPEA, Márcio Pochmann em Campinas, na visão do cientista político, tinha o objetivo inicial de "enfrentar o clima hostil" com relação ao PT, devido ao envolvimento do ex-vice-prefeito petista Demétrio Vilarga em acusações de corrupção na cidade, ao lado do então prefeito pedetista Hélio Santos, mas o candidato acabou se destacando.
"Pochmann, que também patinou com 1% das intenções de votos no início de agosto, foi para o segundo turno e encontra-se em situação de empate técnico com o candidato do PSB/PSDB que era tido como praticamente imbatível em primeiro turno. Da mesma forma que Haddad, Pochmann deslanchou de forma simultânea ao julgamento do mensalão no Supremo."
Osasco. O terceiro exemplo citado pelo professor é o caso de Osasco que, após a condenação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do então candidato do PT à Prefeitura, João Paulo Cunha, no escândalo do mensalão, o partido escolheu Jorge Lapas, um quadro técnico e iniciante em disputas eleitorais. "Lapas venceu as eleições em primeiro turno com cerca de 60% dos votos válidos, excluindo a contabilização da votação obtida pelo tucano Celso Giglio que teve sua candidatura impugnada pela Justiça Eleitoral com base na Lei da Ficha Limpa, era uma eleição tida como praticamente perdida por setores do próprio PT", avalia.
Para Carvalho Teixeira, esses três casos simbolizam como o mensalão "ao contrário do que se pensa, não teve apenas efeitos negativos sobre o PT". "O desgaste público de dirigentes paulistas abriu o espaço para o surgimento de novas lideranças para a disputa eleitoral", ressalta. O professor atribui esse processo de renovação ao ex-presidente Lula. "Pode até se discordar do método (evitar disputa partidária ao se desconstruir pré-candidaturas), mas não se pode negar que o partido, pelo menos no primeiro turno, vem se beneficiando desse processo de renovação onde ela efetivamente ocorreu", afirma.
E reforça a importância do escândalo para a renovação: "Vale lembrar que tanto no caso da disputa presidencial de 2010 como para prefeituras de importantes cidades e capitais em 2012, sem o mensalão, José Dirceu e a antiga burocracia partidária certamente estariam no controle do processo sucessório, o que dificultaria a escolha de algum nome que não tivesse alinhamento com a cúpula partidária". Blog do Saraiva