Tribunal vai analisar a homologação de sentença — procedimento que pode validar a decisĂŁo da Itália e permitir que a pena seja executada no Brasil. Ex-jogador foi condenado pela justiça italiana a 9 anos de prisĂŁo por estupro coletivo. NĂŁo há novo julgamento do caso.
Por Fernanda Vivas, g1 e TV Globo — BrasĂlia
Robinho poderá cumprir pena por estupro no Brasil — Foto: Luiz Fernando Menezes/Arquivo AT
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) começa a julgar, na próxima quarta-feira (20), o pedido da Itália para que o ex-jogador Robinho cumpra, no Brasil, a pena de nove anos pelo crime de estupro coletivo.
O tribunal vai analisar a chamada homologação de sentença, um procedimento que valida uma decisão estrangeira e permite que ela seja executada no Brasil. O STJ não vai julgar novamente a acusação contra Robinho, ou seja, não vai revisitar o caso, avaliando fatos e provas.
O g1 reuniu os detalhes do julgamento e o que pode acontecer a partir de uma decisĂŁo do tribunal.
VocĂŞ vai ver nesta reportagem (clique na pergunta para seguir Ă resposta):
O que o STJ vai julgar?
Em fevereiro de 2023, o governo da Itália apresentou um pedido de homologação de sentença estrangeira.
A solicitação foi encaminhada pelo Ministério da Justiça ao Superior Tribunal de Justiça, a quem compete analisar este tipo de processo.
O documento teve como base um tratado de extradição entre os dois paĂses, de 1993.
A Itália quer que seja executada no Brasil uma decisão do Tribunal de Milão. Em novembro de 2017, o tribunal condenou o ex-jogador a nove anos de prisão pelo crime de estupro coletivo (violência sexual de grupo), ocorrido em 2013.
Segundo a acusação, Robinho e outros cinco homens teriam violentado uma mulher albanesa em uma boate em Milão. Em 2022, a decisão se tornou definitiva, ou seja, sem a possibilidade de novos recursos.
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O que é homologação de sentença?
A homologação Ă© um reconhecimento da decisĂŁo da Justiça de outro paĂs, para que ela seja implementada no territĂłrio brasileiro.
O pedido foi feito pelo governo da Itália porque Robinho vive no Brasil. A Constituição brasileira impede a extradição de brasileiros natos para cumprimento de penas no exterior.
O que diz a defesa?
A defesa de Robinho alegou, no processo, que a homologação da sentença viola a Constituição, já que a Carta Magna proĂbe a extradição de brasileiro nato.
"Sendo vedada a extradição do brasileiro nato para se submeter a ação penal por imputação feita em Estado alienĂgena, por identidade de razões nĂŁo se há de admitir que pena lá estabelecida seja simplesmente homologada e executada no Brasil", afirmaram os advogados.
"Resguarda-se ao cidadão brasileiro o direito e a garantia de submeter-se à jurisdição brasileira, ainda que o fato tido como criminoso tenha ocorrido fora do Estado nacional, considerando uma série de circunstâncias que assegure plenamente um julgamento justo e isento", completaram.
AlĂ©m disso, sustentou que o tratado de extradição usado pelo governo da Itália no pedido nĂŁo permite a transferĂŞncia da pena para o paĂs de origem do condenado.
Os advogados tambĂ©m apontaram violação a princĂpios constitucionais como a soberania nacional e dignidade da pessoa humana.
O que diz o Ministério Público?
O MinistĂ©rio PĂşblico Federal (MPF) pontuou, no processo, que Ă© possĂvel a homologação da sentença, já que o pedido teria atendido os requisitos da legislação.
Para o MPF, nĂŁo há como concordar com o argumento da defesa de que a transferĂŞncia da pena nĂŁo Ă© possĂvel.
"Caso contrário, o Estado brasileiro estaria permitindo a impunidade de Robson de Souza diante do cometimento de crime cuja materialidade e punibilidade foi reconhecida pelo Estado estrangeiro", afirmou em parecer.
O MPF pontuou ainda que a medida respeita direitos constitucionais.
"Desse modo, ao se efetivar a transferĂŞncia da execução da pena, respeita-se a vedação constitucional de extradição de brasileiros natos ao mesmo tempo em que se cumpre o compromisso de repressĂŁo da criminalidade e de cooperação jurĂdica em esfera penal assumido com o Estado requerente", ponderou.
O que diz a lei?
Um dos pontos de divergência entre a defesa e o MPF é sobre a possibilidade de aplicação da Lei de Migração ao caso.
A legislação, de 2017, prevê a possibilidade de transferência de execução de pena, mas estabelece requisitos:
- o condenado deve ser brasileiro ou ter residĂŞncia ou vĂnculo com o Brasil;
- a decisĂŁo judicial estrangeira deve ser definitiva;
- a duração da condenação a cumprir deve ser de pelo menos um ano, na data de apresentação do pedido do paĂs estrangeiro ao Brasil;
- o fato que levou Ă condenação deve ser crime nos dois paĂses;
- deve haver tratado ou promessa de reciprocidade.
A defesa de Robinho diz que a regra nĂŁo Ă© cabĂvel ao caso, porque o Tratado Brasil-Itália nĂŁo prevĂŞ a transferĂŞncia da pena e a lei trata de direitos e deveres do migrante e visitante.
O MPF entende que a Lei de Migração incide no caso, porque um dos requisitos para a transferência da pena é o de que o condenado seja brasileiro.
Por que cabe ao STJ julgar o caso?
A Constituição concedeu ao STJ a competĂŞncia para realizar a homologação de sentença estrangeira no paĂs.
O trabalho do STJ no caso envolve avaliar se os requisitos para a validação da decisão estrangeira foram cumpridos.
Não há um novo julgamento do processo contra Robinho. Ou seja, o STJ não vai verificar se houve crime, se há provas. Isso já foi feito pela Justiça da Itália.
O tribunal vai avaliar se os requisitos para a validação da sentença italiana foram cumpridos. Estes requisitos estão previstos no Código de Processo Civil:
- a decisĂŁo deve ter sido de autoria de uma autoridade competente;
- deve ter elementos que comprovem que os participantes do processo foram regularmente notificados;
- deve ser definitiva, sem mais chances de recursos; ou seja, deve ter transitado em julgado.
Como será o julgamento?
Pelas regras internas do tribunal, cabe Ă Corte Especial analisar o processo. Esse colegiado conta com os 15 ministros mais antigos do tribunal, que tem um total de 33 magistrados.
Para que a sentença seja validada, é preciso maioria de votos.
A sessão da quarta será presidida pelo vice-presidente Og Fernandes. O relator é o ministro Francisco Falcão. Os trabalhos serão transmitidos pelo canal do STJ no YouTube.
Antes dos votos dos ministros, advogados vĂŁo apresentar seus argumentos, pelo prazo de 15 minutos cada. Na sequĂŞncia, vota o relator. Depois, os demais ministros, por ordem de antiguidade. Como vai presidir a sessĂŁo, o ministro Og Fernandes vota apenas em caso de empate.
É possĂvel recorrer?
É possĂvel recorrer no âmbito do prĂłprio STJ, com os chamados embargos de declaração, que buscam resolver contradições ou esclarecer pontos na decisĂŁo coletiva.
TambĂ©m Ă© possĂvel recorrer no Supremo Tribunal Federal (STF). Mas, nesse caso, para ser admitido, o recurso tem que apontar uma ofensa clara e direta Ă Constituição.
O que acontece se houver a validação da sentença no Brasil?
Se o tribunal validar a decisão da Justiça italiana, a execução da condenação ficará a cargo da primeira instância da Justiça Federal.