Toffoli, um ministro do STF a serviço do poder, qualquer que seja ele

O juiz branco que massacrou Lula, bajulou Bolsonaro e os militares e agora adere ao novo tempo - por Mauro Lopes

Pois agora vem Dias Toffoli com sua decisão sobre Lula e a Lava Jato que chacoalhou a véspera do 7 de Setembro. Já há quem na esquerda esteja propondo que ele seja entronizado no Panteão da Pátria na Praça dos Três Poderes. Sugiro aplausos moderados. E faço um apelo à memória.

Na decisão com que anulou todas as provas obtidas pela Lava Jato por meio de acordo de leniência com a Odebrecht, escreveu que a prisão de Lula foi um "erro histórico" e "fruto de um projeto de poder" dos membros da Lava Jato.

Foi além e afirmou que a prisão de Lula foi "um dos maiores erros judiciários da história do país". E ainda: tratou-se de "UM PAU DE ARARA DO SÉCULO XXI" (maiúsculas de Toffoli).

A decisão já levou à abertura de uma investigação pela AGU e deverá ensejar uma série de ações legais em cascata -deve ser a pedra angular da derrocada final da dupla Moro-Dallagnol e toda a quadrilha da Lava Jato.

Maravilha.

Mas, antes de serem encomendados hinos, discursos e estátuas ao juiz, talvez valha cotejar a decisão de agora, quando há um novo contexto de poder no país, com suas posições em contextos do passado recente.

Não custa nada um olhar. Iluminar o passado talvez explique o presente. E pode servir de advertência quanto às futuras ações do juiz.

Um questionamento preliminar. Toffoli não sabia das características da Lava Jato quando exarou dezenas de decisões em favor da operação que agora descobre ser um poço de ilegalidades? Teve uma revelação súbita, uma epifania? Em 2015, quando ingressou na Segunda Turma da Corte, responsável por julgar ações relativas à Lava Jato, desconhecia o espírito, a essência e os métodos da operação? Toffoli foi cúmplice do golpe contra Dilma -achava mesmo que era um processo legítimo?

Pois bem.

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O Toffoli de hoje diz que a Lava Jato foi “um pau de arara do século 21”. E o que foi a decisão dele de humilhar Lula e, na prática, impedi-lo de sair da cadeia para velar o corpo do querido irmão Vavá em 30 de janeiro de 2019? Você se lembra da decisão de Toffoli? Esperou até a undécima hora para expedi-la, inviabilizando a presença de Lula no velório. Mas não foi só. Leia a oferta humilhante de Toffoli, que Lula recusou: “concedo ordem de habeas corpus de ofício para, na forma da lei, assegurar, ao requerente Luiz Inácio Lula da Silva, o direito de se encontrar exclusivamente com os seus familiares, na data de hoje, em Unidade Militar na Região, inclusive com a possibilidade do  corpo do ‘de cujos’ ser levado à referida unidade militar, a critério da família”. Numa unidade militar! E mais: proibiu o uso de celulares e outros meios de comunicação, bem como a presença de imprensa e declarações públicas.

Se alguém ousar, que busque outra qualificação que não tortura para o que Toffoli fez com Lula e sua família em 2019. É quase uma afronta que fale agora em “pau de arara do século 21”.

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Voltemos no tempo.

Quem não se lembra do famoso tweet do general Villas Bôas, comandante do Exército, na noite de 3 de abril de 2018 colocando o STF de joelhos e obrigando a Suprema Corte a manter a prisão ilegal do Lula quando Moro?

Toffoli teve um papel decisivo no episódio, já na Segunda Turma do STF -cumpriu o papel que lhe fora designado por Gilmar Mendes, seu padrinho. 

Em 7 de maio, apesar das esperanças (vãs) dos partidários de Lula, ele votou para negar o recurso que poderia garantir a liberdade de Lula. Por três votos a dois, a Segunda Turma do (STF) decidiria pouco depois manter Lula preso e fora da disputa.

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Não bastasse isso, em setembro de 2018, pouco depois de assumir a Presidência do STF, Toffoli criou a função de “assessoria de articulação militar” -sem precedentes na história da Corte.

Para completar a obra, nomeou o general Fernando Azevedo e Silva para o cargo.  Quem indicou Azevedo e Silva? Exatamente Villas Bôas, o interventor militar no STF. 

Em meio à disputa eleitoral, Toffoli elevou a intervenção militar no STF de evento a ação institucional permanente Azevedo e Silva, o executor da intervenção militar, havia participado de um grupo formulador de propostas para a campanha de Bolsonaro!

Não era preciso mais nada: entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro, qual era a preferência de Toffoli no pleito?

Pouco depois, em 1 de janeiro de 2019, o general Fernando e Silva assumiria o cargo de ministro da Defesa no governo Bolsonaro -zero surpresa, não é? 

O cargo não ficou. Outro general assumiu:  Ajax Porto Pinheiro. 

Segundo registrou o jornalista Jeferson Miola, o general Pinheiro foi um protagonista na eleição daquele ano: “Num vídeo publicado dias antes do segundo turno da eleição de 2018, o general Ajax transmitiu ‘algumas idéias sobre o que vai acontecer no dia 28’ -’Esta eleição do dia 28 não é uma eleição como outra qualquer. Ela é diferenciada, o principal componente desta eleição é a ideologia’, disse Ajax.

O general do STF completou: “eles – o pt – foram escorraçados do poder. Agora, eles voltam numa situação diferente, e tenho certeza, eles voltam com sede de vingança. Se eleitos, nós, do Exército, seremos as principais vítimas. Eles tentarão fazer como na Venezuela. Isso acontecerá caso eles vençam as eleições”.

Pois tal bolsonarista tornou-se braço direito de Toffoli. Ficou no STF até 2020, pouco antes de Toffoli deixar a Presidência da Corte

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Houve muito mais, mas encerro com apenas outro registro.

Em novembro de 2018, o então presidente do STF aceitou convite para um jantar com dirigentes e jornalistas do portal Poder360 num restaurante tradicional de Brasília.

Participaram do evento, além da turma do portal e de Toffoli, dirigentes de multinacionais: o presidente, o vice-presidente jurídico e o executivo de relações corporativas da Coca-Cola no Brasil; o presidente da McKinsey & Company, líder mundial no mercado de consultoria empresarial; a presidenta da Microsoft no Brasil; o presidente e o executivo de relações institucionais da Shell no Brasil; o diretor de relações governamentais e a diretora jurídica da Souza Cruz; e, cereja do bolo, o encarregado de negócios da Embaixada dos EUA no Brasil.

Ao fim do jantar o ministro recém-convertido revelou seu apoio ao golpe de 2016 contra Dilma Rousseff, pontificando que ele havia sido um “pedido da sociedade”. Com o que deve imaginar ser sabedoria proverbial, pontificou: “O que a sociedade pediu foi para eles [os militares] entrarem, solucionarem o problema e saírem”. 

Cai o pano. 

Toffoli serviu a Lula em seu primeiro e segundo mandatos, até ser indicado ao STF; no STF serviu à Lava Jato, aos militares e a Bolsonaro; agora volta a prestar reverência a Lula. Alguém duvida que ele será prestador de serviço no próximo giro da roda do poder?

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Enfim e afinal, porque anotar no título deste artigo que Dias Toffoli é homem branco? Você se incomodou com isso? Será que você se incomoda com o argumento de que sugerir juristas negras para o STF é "inadequado", pois afinal "o Joaquim Barbosa…"? Pois é. Os homens brancos do STF ajudaram a derrubar Dilma em 2015-16, prender e manter Lula preso e impedi-lo de concorrer à Presidência em 2018. Mas para a branquitude, só o homem negro merece reprovação que destaque a cor de sua pele. Então, racistas de esquerda (expressão que deveria ser um contrassenso, mas não é mais), enquanto houver a menção a Joaquim Barbosa toda vez que se falar em pessoa negra para o STF, farei questão de registrar a cor da pele das pessoas autoras de decisões na Corte.

Sei que pode haver alguém na esquerda racista que aponte o dedo: “racismo reverso!” A estes, recomendo o já clássico vídeo do comediante Aamer Rahman. O vídeo é de 2003, mas é atualíssimo:

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