De quem é a derrota?

Se o marco temporal passar no Senado, povos indígenas de todo o Brasil podem perder seu território. O nome pelo qual o projeto ficou conhecido ajuda a explicar o que está em debate: ele define um marco no tempo que determina o direito (ou não) à terra. Indígenas que não estavam de posse de seu território em 5 de outubro de 1988, data em que foi promulgada a Constituição, não podem reivindicar aquela terra. Só que a existência dos povos indígenas nunca foi simples no Brasil.  

Você sabe, desde 1500 populações indígenas são dizimadas, e até hoje povos seguem sendo perseguidos e ameaçados (é só ver a articulação da bancada ruralista pela própria aprovação do marco temporal), de modo que muitos não estavam de posse de seu território em 1988 porque seu território havia sido invadido ou seu povo estava sendo perseguido. Outros tantos simplesmente não têm como provar que estavam lá no período arbitrariamente determinado por um parecer da Advocacia-Geral da União editado por ordem de Michel Temer em 2017.

Ao fim e ao cabo, se virar lei, o marco temporal dará a invasores o direito sobre as terras indígenas, como mostra o repórter Murilo Pajolla aqui.

Foi isso que a Câmara dos Deputados aprovou. Ao abrir os jornais e sites de notícias, você provavelmente vai ler que o que houve ontem foi uma derrota do governo.

De fato, o governo era contra a aprovação do marco temporal. Mas tratar o tema como derrota do governo é naturalizar a barbárie.  

A derrota na Câmara ontem acontece pela existência de um Congresso extremamente conservador que legisla em causa própria, na defesa dos privilégios de poucos e do direito de destruir e aniquilar os que atrapalham seus interesses. E, com isso, de quebra, aproveita para rifar o governo.

Mas o que estava em jogo não era simplesmente uma disputa de governo e oposição. Reduzir a isso alivia a barra de quem votou contra os povos indígenas, como se se tratasse apenas de uma disputa institucional, de mais um capítulo da polarização política e fim. Ao colocar nas costas do governo uma derrota que não é só dele, a imprensa comercial minimiza a luta dos povos originários e reduz a importância para o Brasil do que de fato está acontecendo na política nacional.

A retomada da política altiva e ativa

Enquanto os mares seguem agitados no Congresso Nacional, o governo Lula navega com um pouco mais de tranquilidade na política externa, ainda que haja nessa seara também uma tentativa de mudar o foco do debate público.

O feito desta semana não é pequeno. A despeito da histeria da direita e de parte da mídia, o encontro de Lula com líderes sul-americanos foi muito mais do que um abraço de Lula e Maduro ou a condenação das sanções que os Estados Unidos impõem à Venezuela. A integração regional havia sido destruída por governos de direita de diversos países, mas ela é estratégica para o Brasil para além de eventuais identificações ou discordâncias ideológicas. E Lula reuniu 12 presidentes sul-americanos depois de 10 anos para retomar essa integração.

Os países alinhados em torno da retomada da Unasul pretendem retomar o protagonismo comercial da sua relação, mas mais que isso. Lula falou na importância de fortalecer “uma verdadeira identidade latino-americana e caribenha” e lembrou que o organismo “foi efetivo como foro de solução de controvérsias entre países da região, notadamente na crise entre Colômbia e Equador e no conflito separatista boliviano”.

Com essa e as agendas anteriores da política externa do governo, Lula retoma a política externa que Celso Amorim chamava de “altiva e ativa”, ou seja, que insere o Brasil no cenário internacional sem baixar a cabeça para os países do centro global ao mesmo tempo em que reforça a integração regional e com países da África em busca de uma nova ordem.

Brasil de Fato / E-mail

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