As práticas que estão se banalizando no Brasil possuem como motivação o mesmo ânimo, a verve vil, sanguinária e odiosa do atual presidente
O assassinato de Marcelo de Arruda em Foz do Iguaçu, por um maníaco bolsonarista, em plena festa de aniversário, diante de mulher e filhos, tão somente por estar tematizando a celebração com cores e imagens do candidato que apoia e do partido do qual faz parte, acende tenebrosas luzes sobre uma situação que, sutil e paulatinamente, vem se normalizando no Brasil: o terrorismo por intolerância política.
Sobre o episódio em específico, Jair Bolsonaro disse nada ter a ver. Mas tem, tem tudo a ver e ele sabe disso, apenas dissimula, evitando perder os fanáticos, ao mesmo tempo que evita escandalizar os moderados que o apoiam. Ora, seu governo já iniciou tendo de se explicar sobre as relações próximas com implicados na execução da vereadora Marielle Franco. Ele próprio teve que justificar o porquê de tantas homenagens oficiais a milicianos, alguns dos quais reconhecidamente assassinos, bem como responder por quais motivos seus filhos lotavam esses brutamontes, bem como familiares destes, em seus gabinetes parlamentares.
Bolsonaro que no auge da campanha que o elegeu convocou os correligionários a “fuzilar a petralhada”, e que, ato contínuo, bradou que varreria do mapa os “bandidos vermelhos”, nunca baixou a temperatura de suas invectivas. Ao contrário, com retórica ácida e desmedida, tudo fez para que o clima de ódio entre brasileiras e brasileiros se mantivesse nas alturas, e sempre aumentando um pouco mais. Xingou autoridades, perseguiu servidores, estigmatizou, com uso e abuso de expressões e atos discriminatórios, segmentos sociais já vulnerabilizados, sem pejo em descumprir a lei, abusando da paciência das autoridades que deixam de agir para evitar rupturas ainda mais drásticas. Pari passu, tem facilitado a aquisição de armamento pesado pela população, fazendo sempre questão de dizer que somente através do uso da violência a sociedade pode se defender e ser livre.
Importa lembrar que Bolsonaro já celebrou em programas sensacionalistas o “CPF cancelado”. Gozou das vítimas de uma pandemia brutalmente mortal. Minimizou-a. Há no seu arquivo de expressões desprezíveis até um “minha especialidade é matar”, para não falar da apologia a hediondos torturadores e a defesa explícita da ditadura. O presidente do Brasil é a Besta plantando o caos, o ódio e a discórdia. E isso em um país que já assistiu inerte e inerme a uma caravana de um ex-presidente ser alvejada a tiros.
Contudo, a Constituição é clara ao abominar a intolerância política. O inciso V do art. 1º estipula que a República tem como fundamento o “pluralismo político”. O art. 3º, IV, consagra como objetivos do país “a promoção de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. O art.4º, VIII, elenca “repúdio ao terrorismo e ao racismo” como princípio vetor das relações internacionais brasileiras. Por sua vez, o art. 5º, XLIII estabelece que são crimes inafiançáveis de graça ou anistia, dentre outros crimes, “o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.
O país possui uma lei antiterrorismo, a Lei 13.260 de 2016. Para o art. 2º da norma o terrorismo consiste na prática individual ou coletiva de atos ali previstos, “por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”. Na continuidade, há até a exemplificação de atos de terrorismo e a definição da pena correspondente, mas desde já, se observa uma lacuna legislativa, talvez não incluída durante a elaboração legal por sua antes inimaginável possibilidade: a menção ao terrorismo por ódio político.
Isto não quer dizer que as agressões a pólvora e excrementos nos recentes eventos do ex-presidente Lula em Uberlândia e no Rio, assim como contra o juiz que determinou a prisão dos acusados da roubalheira envolvendo pastores no MEC, não possam ser apurados, condenados e julgados por outros tipos penais, e agravantes, já previstos pela legislação brasileira. Ao contrário, serão e assim também ocorrerá no caso do estúpido assassinato do militante petista em Foz do Iguaçu. Mas, sem dúvida, há que se olhar com mais atenção para o terrorismo por intolerância política, porque as práticas que estão se banalizando no Brasil, que são temidas até pelo Direito Internacional, visam um fim político e possuem como motivação o mesmo ânimo, a verve vil, sanguinária e odiosa do atual presidente. Ele, ao incentivar, apresenta-se como o mais perigoso terrorista brasileiro.
*Opinião de Marcelo Uchôa / Revista Fórum.