Olá, o indulto a Daniel Silveira foi o novo 7 de setembro de Jair. Mas não basta afrontar o STF e as eleições: será preciso esconder o desastre econômico e neutralizar a candidatura de Lula.
.Carnaval fora de época. Nunca o método de tratamento de choque rendeu tantos frutos para Bolsonaro como o indulto a Daniel Silveira. Ao contrário das outras, foi a primeira vez que ele partiu para cima para uma decisão do Supremo e não precisou recuar. Pegos de surpresa, os ministros do STF decidiram não entrar na disputa, o que, na prática, significa reconhecer a derrota. E graças a uma fala do Ministro Barroso, em outro contexto, sobre a participação das forças armadas no processo eleitoral, Bolsonaro alinhou os militares. Além disso, a turma do centrão ficou animada com a possibilidade de não terem mais seus mandatos cassados pelo STF, o que jogou mais água no moinho de Arthur Lira e tirou até Rodrigo Pacheco da letargia, obrigando um adversário contumaz a fazer coro contra o STF. Para completar a afronta, a Câmara ainda indicou Silveira para duas comissões importantes na Casa. O saldo foi tão positivo para o Planalto que até o inquérito das fake news deve ser esvaziado para que o STF não entre em rota de colisão com o governo tão cedo. Sem freios e com a oposição muda, Bolsonaro se sente empoderado a ponto de considerar a anistia de outros aliados e preparar novas investidas contra o judiciário, dizendo que o STF quer intervir para garantir a vitória de Lula e defendendo que as forças armadas façam uma contagem de votos paralela ao TSE. E à vontade o suficiente para voltar a culpar os governadores pela inflação e criticar novamente as vacinas. Mas, depois da folia, vem a ressaca. Com os ataques ao TSE, Pacheco e Lira precisaram sair em defesa das eleições, ao mesmo tempo em que os deputados costuram a saída de Silveira da CCJ e até uma suspensão do mandato. Enquanto isso, o QG da campanha de Bolsonaro tenta convencê-lo a parar por aí. Já o STF estaria apostando que o caso vai esfriar graças aos ritos legais e a anulação do pacote ambiental do governo seria um sinal de que o Supremo vai voltar aos poucos para a revanche.
.Piu. Além do caso Daniel Silveira, a torcida bolsonarista vibrou com a compra do twitter pelo bilionário Elon Musk, vulgo “o homem mais rico do mundo”. A felicidade não se deve apenas ao perfil de Musk, especulador e a imagem do empreendedor de sucesso, apesar de dever sua fortuna à herança de uma mina de esmeraldas na Zâmbia. Musk comprou a companhia prometendo “maior liberdade de expressão”. Como a rede social havia endurecido recentemente sua política contra fake news e banido Donald Trump, a base bolsonarista entendeu a declaração como um sinal de que a disseminação de mensagens falsas e de ódio estaria novamente liberada. A mesma leitura foi feita pelos aliados do capitão. Em apenas um dia, Bolsonaro teve um crescimento de 155% entre seus seguidores, assim como o filho Eduardo e a deputada Carla Zambelli. Todos falsos. Segundo o estadunidense Christopher Bouzy, especialista em dados, a maioria dos novos seguidores não são seres humanos reais, mas robôs, perfis criados e controlados por computadores. Um exército para massificação de mensagens bolsonaristas. Porém, a estratégia pode ter sido precipitada. Primeiro, porque Musk não deve começar a dar cartas no twitter antes de seis meses, prazo das tramitações legais da aquisição. E, segundo, porque outra de suas propostas é autenticar os usuários, ou seja, comprovar que são pessoas reais, o que desativaria milhares de robôs. Outra expectativa frustrada dos bolsonaristas nas redes foi a confirmação de que o whatsapp não vai disponibilizar antes das eleições a ferramenta de mega grupos - comunidades com milhares de usuários - o que também facilitaria os disparos em massa de fake news.
.Só quero te esquecer. Além de elevar o tom contra o STF e tocar o berrante nas redes sociais, o caso Daniel Silveira ajudou a tirar da pauta um problema que não se resolve por tuitaço: o desastre econômico. Com a escalada da guerra na Ucrânia, o Banco Mundial está prevendo o pior choque inflacionário dos últimos 50 anos. Claro, essa pode ser uma boa desculpa para dizer que a crise vem de fora e que Bolsonaro não tem nada a ver com isso. Mas, mesmo que as projeções para o Brasil tenham melhorado ligeiramente, a situação interna já é grave e tende a piorar. Prova disso é que a inflação para o mês de abril é a maior desde 1995. Além da alta dos combustíveis, o aumento das tarifas de energia elétrica para cobrir um déficit de R$30 bilhões no setor elétrico deve puxar a elevação geral dos preços. Isso num momento em que o gás de cozinha atingiu o maior preço no século. Por isso, entende-se porque mais da metade dos brasileiros estão nas classes D e E, sendo considerados pobres ou extremamente pobres, e provavelmente não sairão de lá antes de 2028, segundo estudo da Tendências Consultoria. Analistas ouvidos pelo Instituto FHC avaliam que a economia terá o maior peso eleitoral desde 1994, no início do Plano Real. Por isso, Bolsonaro precisa manobrar entre uma base eleitoral mais fiel e um público mais amplo que se move pelas perspectivas econômicas e não por bravatas. E é aí aqui que entra o conta-gotas de Paulo Guedes e do Congresso, liberando o saque do FGTS, antecipando o pagamento do 13º para aposentados e pensionistas, criando linhas de créditos para pessoas físicas e pequenas e médias empresas, especialmente caminhoneiros, mesmo que o governo tenha barrado o aumento do Auxílio Brasil na Câmara.
.O pai não tá estourado. Do outro lado do tabuleiro, a candidatura de Lula continua lutando para encontrar seu foco. Aldo Fornazieri observa que finalmente caiu a ficha do petismo de que a eleição não está ganha. O sinal amarelo acendeu com a mudança na equipe de comunicação de Lula. Mas no fundo, a situação é reflexo de problemas que se arrastam desde 2018: incapacidade de mobilização nas ruas, atuação pífia da esquerda parlamentar e nenhuma vitória contra o governo até agora. Resultado: a vantagem de Lula nas pesquisas não era consistente e a distância entre ele e Bolsonaro segue caindo. Outra novidade é o desempenho de Ciro Gomes (PDT) na pesquisa BTG, uma ascensão que poderia tirar votos de Lula, enquanto Bolsonaro corre sozinho na cancha da direita. Ciro agora quer ampliar alianças e se consolidar no terceiro lugar, o que inclui conversas com PSD, União, MDB e Cidadania. Nesse cenário, o desafio do PT é compatibilizar posicionamentos de esquerda com o imperativo de ampliar a base eleitoral. Assim, enquanto diz que a segurança pública não é caso de polícia, Lula faz acenos à base evangélica. Prioridade da campanha, o programa econômico também segue caminhos tortuosos. Embora pareça haver consenso sobre a necessidade de derrubar o teto de gastos, há divergências sobre o que fazer com a reforma trabalhista, com posições que variam entre revisar alguns pontos ou revogá-la inteiramente. E o tema também passou a ser disputado por Ciro Gomes. Mas Lula também acumula boas notícias. Depois de Alckmin, agora são os tucanos Armínio Fraga e João Dória que voam em direção à estrela, além da tentativa de que Marina Silva caia na rede de Lula, e mais uma vitória simbolicamente importante: o reconhecimento da parcialidade de Moro pela Comissão de Direitos Humanos da ONU.
.Ponto Final: nossas recomendações.
- .Bolsonarismo fala com valores do Brasil profundo, dizem pesquisadores. Pesquisa do IFBA mostra como os temas morais e explicações simples forjam a coesão do bolsonarismo.
- .A Agência Pública traz duas reportagens sobre a simbiose entre bolsonarismo e evangélicos: como os Pastores usam a Bíblia para defender posse de armas de fogo no Brasil e ainda como a maioria dos deputados da Frente Parlamentar Evangélica apoia pautas antiambientais.
- .Macron é reeleito, mas extrema-direita venceu. Na análise das eleições francesas, o jornalista Jamil Chade chama atenção para a resiliência da extrema-direita.
- .Os desconhecidos casos de crianças e bebês sequestrados na ditadura brasileira. A BBC Brasil aborda os 19 casos de crianças, filhos de militantes, sequestradas pela ditadura brasileira.
- .'Medida Provisória' ganha ares de realidade em um país como o Brasil. Quando os “cidadãos de melanina acentuada” são expulsos de seu próprio país. Na Folha, Djamila Ribeiro comenta o filme dirigido por Lázaro Ramos, em que distopia e realidade se encontram.
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