Olá, a conta da guerra econômica contra a Rússia já chegou ao Brasil. Se seguirmos nesse ritmo, serão os votos dos sem pão, sem gasolina e sem emprego que definirão as eleições de outubro.
Muito além de Kiev. O brasileiro que estava mais preocupado com o BBB do que com Putin e Biden vai encontrar motivos para se preocupar na fila do pão. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria, o pão francês deve ter um aumento de preços entre 10 a 20%, uma vez que Rússia e Ucrânia respondem por 30% das exportações mundiais de trigo. A inflação se estenderá a massas e biscoitos, entre outros produtos que têm o grão como matéria-prima. A Confederação Nacional de Indústrias também faz as contas do impacto que fertilizantes, petróleo, carvão mineral e alumínio devem ter na economia brasileira em médio e longo prazo, afinal ainda é cedo para medir como as sanções à Rússia e a guerra afetarão a economia global. Outro setor afetado pela crise é a defesa nacional. O Brasil utilizava helicópteros russos para a vigilância da Amazônia e desativou doze destes veículos há um mês, sem previsão de substituição. Além disso, certamente o conflito estabelecerá, ao final, novas bases sobre o uso de armamento nuclear, o que coloca em xeque o projeto do submarino nuclear brasileiro. Enquanto Bolsonaro deve pedir ajuda a Putin para salvar o projeto, o chefe do exército brasileiro vai à Washington para perguntar o que fazer.
Não culpem o Putin. Imediatamente a guerra também atingiu um setor que absorveu boa parte dos desempregados nos últimos anos. A motorista de aplicativo Ana Paula Aparecida de Oliveira, entrevistada pela BBC, resume o problema que já excluiu 30 mil pessoas só ano passado: para trabalhar na Uber, ela gasta em torno de R$5 mil em combustível, seguro e manutenção, enquanto as taxas da empresa estão defasadas e o auxílio-combustível do Senado sequer vai encher um tanque. Além dos desempregados de aplicativos, na busca pela reeleição, Bolsonaro precisa desesperadamente que os preços dos combustíveis baixem, seja para frear a inflação, seja para acalmar sua base entre os caminhoneiros. Mas não faz a menor ideia de como fazer isso. Depois da Lava Jato e o impeachment de Dilma, Michel Temer e Henrique Meirelles trataram de desmontar a Petrobras, vendendo subsidiárias e tirando a empresa de setores que fazem muita falta agora, como fertilizantes e distribuição. Mas principalmente implementaram uma política de alinhamento de preços internacionais que tem feito a felicidade de acionistas em Wall Street e acabado com a economia brasileira. Se Bolsonaro mudar a política de preços, perde o apoio dos setores do mercado que permaneceram fiéis. Se subsidiar o preço agora, o estouro pode vir mais próximo da eleição, com o dólar subindo como represália pela quebra do teto de gastos, além de ter que enfrentar o TCU. E se depender do gênio Paulo Guedes, não há nada com o que se preocupar. Resta a Bolsonaro fingir que não tem nada a ver com isso e criticar a Petrobras, na esperança que o general Silva e Luna caia da presidência da estatal, para gerar um falso fato novo ou renovar a desculpa de que o “sistema não o deixa governar”.
A Fazenda bolsonarista. Com a melhora nas pesquisas eleitorais, o projeto de reeleição de Bolsonaro deu sinais de alento. Até agora, a frente mais promissora é a partidária. O PL está aproveitando bem o peso do capitão para tornar-se o maior partido dentro da Câmara neste breve período de troca-troca de partidos. Só no último final de semana, a legenda de Valdemar Costa Neto filiou 16 novos deputados federais que deixaram o União Brasil, o ex-detentor da maior bancada. Além do bolsonarismo raiz, como Carla Zambelli, Eduardo Bolsonaro, e provavelmente o “véio da Havan”, o PL também aposta nas subcelebridades Netinho e o jogador de vôlei Maurício Souza para captar votos. Mas a relação entre o bolsonarismo e o PL não é só amor. Costa Neto anda desconfiado de tanto entusiasmo, ainda mais depois da operação da PF contra deputados de sua legenda. É que tudo isso pode não passar de um plano de Bolsonaro para tomar o partido, com o auxílio da PF. A hipótese é reforçada pela filiação de Alexandre Ramagem ao PL. Ramagem, que foi segurança pessoal de Bolsonaro em 2018 e depois ascendeu à Direção-Geral da Abin, esteve no centro da desavença que levou à saída do então Ministro da Justiça Sérgio Moro do governo. Tudo isso reforça a possibilidade de um movimento de aparelhamento dos órgãos policiais e de inteligência para fins eleitorais. A segunda frente que caminha para uma resolução é a indicação de um vice. Mesmo que o tempo hábil para esta definição vá até junho, Bolsonaro insiste que seu companheiro de chapa deve ser Braga Netto, para insatisfação de Ciro Nogueira, que preferia um perfil mais político, próximo ao Centrão e de preferência uma mulher, tendo sugerido a ministra da Agricultura Tereza Cristina. Mas, Bolsonaro estaria mais interessado em estreitar seus laços com os militares, para ter companhia em aventuras golpistas ou blindagem em caso de impeachment.
Em busca do coração dos pobres. Enquanto o imbróglio político-partidário está sendo resolvido, o furo da política social do governo fica mais embaixo. O Auxílio Brasil não foi capaz de alavancar a popularidade do capitão como o esperado, alerta Thaís Oyama. O plano agora é lançar um novo pacote de bondades - liberação do FGTS, programa de microcrédito, antecipação do 13º para pensionistas e aposentados e ampliação do crédito consignado - para tentar desfibrilar o coração dos mais pobres. Junto a isso, Bolsonaro acredita que a sua presença será capaz de animar seus seguidores. O tour eleitoral deve ter como centro o nordeste, aproveitando as bases regionais dos ministros Tereza Cristina, Rogério Marinho e Tarcísio de Freitas. Mas o governo também tem que enfrentar o fogo amigo: a nova alta de juros do BC, a maior dos últimos cinco anos, além da estagnação econômica, deve agravar a situação dos milhares de endividados do país. Além disso, o desmonte do serviço público também cobra seu preço: a fila das perícias do INSS batem recordes devido à falta de servidores para prestar o atendimento. Mas se a política social não é capaz de esconder o fracasso econômico, Bolsonaro pode apostar mais uma vez na sua guerra cultural, e na velha e eficiente política do “toma lá, dá cá", especialmente com as forças policiais. O libera geral da mineração em terras indígenas é outro front aberto onde o governo corre o risco de ser derrotado. O tapetão preparado por Arthur Lira na Câmara para atropelar o tempo de tramitação do PL 191/2020 pode esbarrar no rechaço da opinião pública. Afinal, o argumento do governo de que a mineração em terras indígenas seria capaz de assegurar a produção interna de fertilizantes foi desmontado por especialistas. Com isso, Lira e o governo se viram isolados, perdendo o apoio inclusive das grandes mineradoras Vale, Vallourec, Samarco, Rio Tinto e Anglo American para levar a proposta adiante.
A volta dos que não foram. A recuperação de Bolsonaro nas pesquisas se deve muito mais ao fracasso da terceira via do que à sua competência. Com uma eleição provavelmente polarizada, o eleitor de direita desistiu de uma alternativa ao bolsonarismo e está voltando para o original. Pior para as versões gourmetizadas, Dória e Moro. O que significa também que um eleitor a ser conquistado é aquele disposto a fazer o voto útil no primeiro turno - e abandonar seu candidato - seja para Lula vencer logo, seja para impedi-lo disso. Neste caso, pelos cálculos de Thomas Traumann, Lula tem a possibilidade de arrebanhar mais 8,5 pontos e Bolsonaro pode subir até 5,7 pontos percentuais. Por isso, a estratégia do petista também passa por sinalizar para mais tucanos, como José Serra, e também encontrar canais de diálogo num setor fidelíssimo ao capitão, o agronegócio. E, assim como Bolsonaro, Lula também está se preparando para pôr o pé na estrada já em abril. Curiosamente, quem também está atrás dos não-polarizados é Gilberto Kassab, que aproveita a janela partidária para assediar tucanos e ampliar palanques, como Felipe Santa Cruz no Rio. Ainda assim, o PSD pode perder o prefeito Alexandre Kalil que prefere uma ligação mais evidente com Lula. Enquanto isso, na zona de rebaixamento, PSDB, MDB e União Brasil, ex-gigantes, tentam construir pelo menos uma candidatura única, mas desde já excluindo o solitário de Curitiba.
Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
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