Bolsonaro late e os generais fazem negócios

 O Partido Militar se articula para ficar no poder.

A caravana passou, com os cães latindo ao volante de caminhões, caminhonetes e (muitos) carros caros e (alguns) nem tanto, além de incontáveis motociclistas – tipos mal-encarados ao estilo Selvagens de Alphaville ou Demônios do Condomínio de Luxo – e muita gente a pé e em ônibus. Foi grande, não vou mentir: assisti da calçada, em Brasília, a um desfile que parecia interminável de gente disposta a derrubar a democracia em nome de um governo genocida e corrupto. 

Mas, para imaginar o que virá a seguir, convém deixar a parada de bolsonaristas e as missivas de lado e olhar para as figuras que levaram Bolsonaro ao Planalto, e que vêm chamando muito menos atenção do que deveriam: o tal do Partido Militar. Os generais da reserva que escoltaram o indisciplinado ex-capitão à Presidência e que se movimentam para se manterem no poder – e com poder – enquanto Bolsonaro se dedica a aterrorizar o país com a ameaça de um autogolpe. 

O que vai a seguir são informações recolhidas pelo boletim mensal com foco nas Forças Armadas brasileiras do Instituto Tricontinental que monitora a participação militar na política. O levantamento parte de informações públicas e é coordenado pela cientista social Ana Penido, também pesquisadora do Grupo de Estudos em Defesa e Segurança Internacional da Universidade Estadual Paulista, a Unesp. 

Enquanto Bolsonaro latia ameaças ao Supremo Tribunal Federal, o vice-presidente Hamilton Mourão, general de quatro estrelas da reserva, se embrenhou numa série de palestras em que se apresentou como a voz da ponderação do governo. Falou numa live fechada ao grupo Parlatório, um ajuntamento de empresários, economistas, gente do mercado financeiro e advogados que montou um grupo no WhatsApp. Abriu a Conferência Anual sobre Macroeconomia e Estratégia no Brasil do bancão Goldman Sachs. Também deu uma série de entrevistas, entre elas a Carlos Alberto Di Franco, um jornalista ligado ao Instituto Millenium e à organização católica ultraconservadora Opus Dei, simpático a extremistas de direita e colunista de jornais como O Globo e Estadão – do qual diz ser também consultor

Falando na imprensa, o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, bateu um papo a portas fechadas com o jornalista Antônio Guerrero, vice-presidente de jornalismo da TV Record. A emissora da Igreja Universal, vale lembrar, recebe uma fatia generosa das verbas federais de publicidade. Talvez por isso, segue firme no apoio ao presidente. E Braga Netto subiu no palanque de onde no 7 de setembro Bolsonaro anunciou que não mais cumpriria decisões judiciais do STF.

Já que falamos de negócios: o general da reserva Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, recebeu em seu gabinete Alessandro Bruno Antunes Carvalho, diretor financeiro de uma startup mineira que afirma desenvolver "uma plataforma tecnológica envolvendo nióbio (uma obsessão de Bolsonaro) na preparação de nanomateriais avançados para soluções inovadoras em lifescience, energia e agronegócio". 

Ramos, tido como o mais bolsonarista dos ex-fardados do Planalto, recebeu o empresário acompanhado do general de divisão Luis Antônio Duizit Brito. Apesar de ser militar da ativa com salário de R$ 20 mil mensais líquidos, Duizit Brito ocupa cargo de nomeação política no Ministério da Defesa: é diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação. É apenas um dos mais de 2 mil militares da ativa e mais de 600 da reserva com uma boquinha em 70 órgãos da administração federal. O general Brito tem um carguinho à toa, que lhe rende um acréscimo de R$ 2 mil ao contracheque. Mas nem sempre é assim. Joaquim Silva e Luna, presidente da Petrobras, embolsa R$ 230 mil mensais pelo trabalho na estatal, que se somam aos R$ 30 mil da aposentadoria paga a generais de quatro estrelas como ele. Nada mau.

Enquanto isso, o almirante Bento Albuquerque, ministro das Minas e Energia responsável pelas trapalhadas que aprofundaram a crise hídrica e energética do país (e que depois nos mandou tomar menos banhos), tratou de negócios com executivos da ExxonMobil e da Câmara Brasil-Texas de Comércio, mostra o relatório. Ele também recebeu empresários de Shell e Mitsubishi reunidos no consórcio Pátria Investimentos, já aquinhoado com um financiamento de R$ 2 bilhões do BNDES para construir a usina termoelétrica de Marlim Azul, em Macaé, estado do Rio. O tipo de negócio que a extinta Lava Jato adoraria esquadrinhar com lupa.

De volta a Mourão: ele e Tarcísio Gomes Freitas, capitão reformado e ministro da Infraestrutura, falaram ao Instituto Villas Bôas num evento chamado Projeto Nação 2035, uma baboseira tocada por militares da reserva. O principal deles é o general Eduardo Villas Bôas, que foi comandante geral do Exército até 2019 e autor do tweet que ameaçou o Supremo Tribunal Federal na véspera do julgamento de um habeas corpus de Lula, em 2018. Jair Bolsonaro já disse que foi Villas Bôas quem o elegeu presidente em outubro daquele ano. 

Também participa da história um tal Instituto Sagres, fundado por militares da reserva para ganhar dinheiro em Brasília e presidido pelo general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva, assim como o presidente um  fã do torturador Brilhante Ustra. Já falei do tal Projeto Nação e de seus organizadores aqui, quando ficamos sabendo que o general Valério Stumpf Trindade, comandante militar do Sul, havia mandado que um subordinado distribuísse o questionário que vai embasá-lo – usando um e-mail oficial do Exército para isso.

Mas a Tatiana Dias, editora do Intercept em São Paulo, descobriu que Mourão incumbiu o ministro do Turismo, o mau sanfoneiro e lobista anti-indígena Gilson Machado, de “pedir” a seus funcionários que participassem da tal pesquisa produzida por Villas Bôas e seus amigos. As aspas são propositais: o ofício assinado por Mauro Fialho de Lima e Souza, assessor especial de Machado, é bem pouco sutil a respeito: a participação é voluntária, porém importante termos representatividade no Projeto (o grifo é do documento original).

Da lista de destinatários da mensagem, estão todos os órgãos públicos que, na esquizofrenia administrativa do governo Bolsonaro, acabaram sob o guarda-chuva do Turismo, inclusive as secretarias de Cultura, do Audiovisual, da Economia Criativa e Diversidade Cultural, de Fomento e Incentivo à Cultura, de Desenvolvimento Cultural e de Direitos Autorais e Propriedade Intelectual. Sim, é isso mesmo que você imaginou: servidores que deveriam cuidar do desenvolvimento da cultura brasileira sendo coagidos a dar trela a delírios de militares de pijama. Não à toa, a Cinemateca Brasileira ardeu em chamas.

Não foi a única anabolizada do governo no negócio de Villas Bôas. O instituto também promoveu um seminário sobre a "plataforma geopolítica da Amazônia e as ações estratégicas para a defesa dos interesses nacionais na questão ambiental", patrocinada pela gigante da comunicação governamental e corporativa FSB. Lá esteve, novamente, o vice-presidente Mourão.

Esse foi apenas mais um sobrevoo pelas últimas quatro semanas de ações  do grupo de oficiais do Exército que elegeu Bolsonaro. Enquanto o presidente brincava de fazer guerra com o STF, os generais, mais espertos, governavam e usavam a estrutura do governo para favorecer seus negócios privados. Porque, com ou sem Bolsonaro, o projeto dos militares é permanecer no poder. E, sem que os militares sejam colocados no devido lugar – os quartéis, para a maioria deles –, a democracia brasileira seguirá mambembe.

Rafael Moro Martins - Editor Contribuinte Sênior
Por: e-mail




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