Para a presidenta
Dilma, não procede à alegação de que espionagem é ação antiterrorismo.
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A
presidente Dilma, em discurso nesta terça-feira (24) na abertura
da 68ª Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova York, transmite que as
ações de espionagem dos Estados Unidos no Brasil “ferem” o direito internacional
e “afrontam” os princípios que regem a relação entre os países.
Dilma
iniciou o seu discurso de 23 minutos, lamentando o atentado terrorista da
semana passada no Quênia e que matou mais de 50 pessoas. "Jamais
transigiremos com a barbárie", disse.
Em
seguida, passou a criticar veementes as ações de espionagem dos Estados Unidos
das quais ela, assessores e a estatal Petrobras foram alvos, segundo revelou um
programa de televisão.
Assista o vídeo
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"Quero
trazer à consideração das delegações uma questão à qual atribuo a maior
relevância e gravidade. Recentes revelações sobre as atividades de uma rede
global de espionagem eletrônica provocaram indignação e repúdio em amplos
setores da opinião pública mundial", disse Dilma no discurso, tradicionalmente
proferido pelo presidente do Brasil, primeiro país a aderir à ONU em 1945.
Assista o vídeo da Presidenta Dilma na ONU
Confira abaixo na íntegra a fala da presidenta Dilma:
Embaixador John Ashe, Presidente da 68ª
Assembleia-Geral das Nações Unidas,
Senhor Ban Ki-moon, Secretário-Geral das Nações Unidas,
Excelentíssimos Senhores Chefes de Estado e
de Governo,
Senhoras e Senhores,
Permitam-me uma primeira palavra para
expressar minha satisfação em ver um ilustre representante de Antígua e Barbuda
– país que integra o Caribe tão querido no Brasil e em nossa região – à frente
dos trabalhos desta Sessão da Assembleia-Geral.
Conte, Excelência, com o apoio permanente de
meu Governo.
Permitam-me também, já no início da minha
intervenção, expressar o repúdio do governo e do povo brasileiro ao atentado
terrorista ocorrido em Nairóbi. Expresso as nossas condolências e a nossa
solidariedade às famílias das vítimas, ao povo e ao governo do Quênia.
O terrorismo, onde quer que ocorra e venha de
onde vier, merecerá sempre nossa condenação inequívoca e nossa firme
determinação em combatê-lo. Jamais transigiremos com a barbárie.
Senhor Presidente,
Quero trazer à consideração das delegações
uma questão a qual atribuo a maior relevância e gravidade.
Recentes revelações sobre as atividades de
uma rede global de espionagem eletrônica provocaram indignação e repúdio em
amplos setores da opinião pública mundial.
No Brasil, a situação foi ainda mais grave,
pois aparecemos como alvo dessa intrusão. Dados pessoais de cidadãos foram
indiscriminadamente objeto de interceptação. Informações empresariais – muitas
vezes, de alto valor econômico e mesmo estratégico - estiveram na mira da
espionagem. Também representações diplomáticas brasileiras, entre elas a Missão
Permanente junto às Nações Unidas e a própria Presidência da República tiveram
suas comunicações interceptadas.
Imiscuir-se dessa forma na vida de outros
países fere o Direito Internacional e afronta os princípios que devem reger as
relações entre eles, sobretudo, entre nações amigas. Jamais pode uma soberania
firmar-se em detrimento de outra soberania. Jamais pode o direito à segurança
dos cidadãos de um país ser garantido mediante a violação de direitos humanos e
civis fundamentais dos cidadãos de outro país.
Pior ainda quando empresas privadas estão
sustentando essa espionagem.
Não se sustentam argumentos de que a
interceptação ilegal de informações e dados destina-se a proteger as nações
contra o terrorismo.
O Brasil, senhor presidente, sabe
proteger-se. Repudia, combate e não dá abrigo a grupos terroristas.
Somos um país democrático, cercado de países
democráticos, pacíficos e respeitosos do Direito Internacional. Vivemos em paz
com os nossos vizinhos há mais de 140 anos.
Como tantos outros latino-americanos, lutei
contra o arbítrio e a censura e não posso deixar de defender de modo
intransigente o direito à privacidade dos indivíduos e a soberania de meu país.
Sem ele – direito à privacidade - não há verdadeira liberdade de expressão e
opinião e, portanto, não há efetiva democracia. Sem respeito à soberania, não
há base para o relacionamento entre as nações.
Estamos, senhor presidente, diante de um caso
grave de violação dos direitos humanos e das liberdades civis; da invasão e
captura de informações sigilosas relativas as atividades empresariais e,
sobretudo, de desrespeito à soberania nacional do meu país.
Fizemos saber ao governo norte-americano
nosso protesto, exigindo explicações, desculpas e garantias de que tais
procedimentos não se repetirão.
Governos e sociedades amigas, que buscam
consolidar uma parceria efetivamente estratégica, como é o nosso caso, não
podem permitir que ações ilegais, recorrentes, tenham curso como se fossem
normais. Elas são inadmissíveis.
O Brasil, senhor presidente, redobrará os
esforços para dotar-se de legislação, tecnologias e mecanismos que nos protejam
da interceptação ilegal de comunicações e dados.
Meu governo fará tudo que estiver a seu
alcance para defender os direitos humanos de todos os brasileiros e de todos os
cidadãos do mundo e proteger os frutos da engenhosidade de nossos trabalhadores
e de nossas empresas.
O problema, porém, transcende o
relacionamento bilateral de dois países. Afeta a própria comunidade
internacional e dela exige resposta. As tecnologias de telecomunicação e informação
não podem ser o novo campo de batalha entre os Estados. Este é o momento de
criarmos as condições para evitar que o espaço cibernético seja
instrumentalizado como arma de guerra, por meio da espionagem, da sabotagem,
dos ataques contra sistemas e
infraestrutura de outros países.
A ONU deve desempenhar um papel de liderança
no esforço de regular o comportamento dos Estados frente a essas tecnologias e
a importância da internet, dessa rede social, para construção da democracia no
mundo.
Por essa razão, o Brasil apresentará
propostas para o estabelecimento de um marco civil multilateral para a
governança e uso da internet e de medidas que garantam uma efetiva proteção dos
dados que por ela trafegam.
Precisamos estabelecer para a rede mundial
mecanismos multilaterais
1 - Da liberdade de expressão, privacidade do
indivíduo e respeito aos direitos humanos.
2 - Da Governança democrática, multilateral e
aberta, exercida com transparência, estimulando a criação coletiva e a
participação da sociedade, dos governos e do setor privado.
3 - Da universalidade que assegura o
desenvolvimento social e humano e a construção de sociedades inclusivas e não
discriminatórias.
4 - Da diversidade cultural, sem imposição de
crenças, costumes e valores.
5 - Da neutralidade da rede, ao respeitar
apenas critérios técnicos e éticos, tornando inadmissível restrições por
motivos políticos, comerciais, religiosos ou de qualquer outra natureza.
O aproveitamento do pleno potencial da
internet passa, assim, por uma regulação responsável, que garanta ao mesmo
tempo liberdade de expressão, segurança e respeito aos direitos humanos.
Senhor presidente, senhoras e senhores,
Não poderia ser mais oportuna a escolha da
agenda de desenvolvimento pós-2015 como tema desta Sessão da Assembleia-Geral.
O combate à pobreza, à fome e à desigualdade
constitui o maior desafio de nosso tempo.
Por isso, adotamos no Brasil um modelo
econômico com inclusão social, que se assenta na geração de empregos, no
fortalecimento da agricultura familiar, na ampliação do crédito, na valorização
do salário e na construção de uma vasta rede de proteção social, particularmente
por meio do nosso programa Bolsa Família.
Além das conquistas anteriores, retiramos da
extrema pobreza, com o Plano Brasil sem Miséria, 22 milhões de brasileiros, em
apenas dois anos.
Reduzimos de forma drástica a mortalidade
infantil. Relatório recente do UNICEF aponta o Brasil como país que promoveu
uma das maiores quedas deste indicador em todo o mundo.
As crianças são prioridade para o Brasil.
Isso se traduz no compromisso com a educação. Somos o país que mais aumentou o
investimento público no setor educacional, segundo o ultimo relatório da OCDE.
Agora vinculamos, por lei, 75% de todos os royalties do petróleo para a
educação e 25% para a saúde.
Senhor presidente,
No debate sobre a Agenda de Desenvolvimento
pós-2015 devemos ter como eixo os resultados da Rio+20.
O grande passo que demos no Rio de Janeiro
foi colocar a pobreza no centro da agenda do desenvolvimento sustentável. A
pobreza, senhor presidente, não é um problema exclusivo dos países em
desenvolvimento, e a proteção ambiental não é uma meta apenas para quando a
pobreza estiver superada.
O sentido da agenda pós-2015 é a construção
de um mundo no qual seja possível crescer, incluir, conservar e proteger.
Ao promover, senhor presidente, a ascensão
social e superar a extrema pobreza, como estamos fazendo, nós criamos um imenso
contingente de cidadãos com melhores condições de vida, maior acesso à
informação e mais consciência de seus direitos.
Um cidadão com novas esperanças, novos
desejos e novas demandas.
As manifestações de junho, em meu país, são
parte indissociável do nosso processo de construção da democracia e de mudança
social.
O meu governo não as reprimiu, pelo
contrário, ouviu e compreendeu a voz das ruas. Ouvimos e compreendemos porque
nós viemos das ruas.
Nós nos formamos no cotidiano das grandes
lutas do Brasil. A rua é o nosso chão, a nossa base.
Os manifestantes não pediram a volta ao
passado. Os manifestantes pediram sim o avanço para um futuro de mais direitos,
mais participação e mais conquistas sociais.
No Brasil, foi nessa década, que houve a
maior redução de desigualdade dos últimos 50 anos. Foi esta década que criamos
um sistema de proteção social que nos permitiu agora praticamente superar a
extrema pobreza.
Sabemos que democracia gera mais desejo de
democracia. Inclusão social provoca cobrança de mais inclusão social. Qualidade
de vida desperta anseio por mais qualidade de vida.
Para nós, todos os avanços conquistados são
sempre só um começo. Nossa estratégia de desenvolvimento exige mais, tal como
querem todos os brasileiros e as brasileiras.
Por isso, não basta ouvir, é necessário
fazer. Transformar essa extraordinária energia das manifestações em realizações
para todos.
Por isso, lancei cinco grandes pactos: o
pacto pelo Combate à Corrupção e pela Reforma Política; o pacto pela Mobilidade
Urbana, pela melhoria do transporte público e por uma reforma urbana; o pacto
pela Educação, nosso grande passaporte para o futuro, com o auxílio dos
royalties e do fundo social do petróleo; o pacto pela Saúde, o qual prevê o
envio de médicos para atender e salvar as vidas dos brasileiros que vivem nos
rincões mais remotos e pobres do país; e o pacto pela Responsabilidade Fiscal,
para garantir a viabilidade dessa nova etapa.
Senhoras e Senhores,
Passada a fase mais aguda da crise, a
situação da economia mundial ainda continua frágil, com níveis de desemprego
inaceitáveis.
Os dados da OIT indicam a existência de mais
de 200 milhões de desempregados em todo o mundo.
Esse fenômeno afeta as populações de países
desenvolvidos e em desenvolvimento.
Este é o momento adequado para reforçar as
tendências de crescimento da economia mundial que estão agora dando sinais de
recuperação.
Os países emergentes, sozinhos, não podem
garantir a retomada do crescimento global. Mais do que nunca, é preciso uma
ação coordenada para reduzir o desemprego e restabelecer o dinamismo do
comércio internacional. Estamos todos no mesmo barco.
Meu país está recuperando o crescimento
apesar do impacto da crise internacional nos últimos anos. Contamos com três
importantes elementos: i) o compromisso com políticas macroeconômicas sólidas;
ii) a manutenção de exitosas políticas sociais inclusivas; iii) e a adoção de
medidas para aumentar nossa produtividade e, portanto, a competitividade do
país.
Temos compromisso com a estabilidade, com o
controle da inflação, com a melhoria da qualidade do gasto público e a
manutenção de um bom desempenho fiscal.
Seguimos, senhor presidente, apoiando a
reforma do Fundo Monetário Internacional.
A governança do fundo deve refletir o peso
dos países emergentes e em desenvolvimento na economia mundial. A demora nessa
adaptação reduz sua legitimidade e sua eficácia.
Senhoras e senhores, senhor presidente
O ano de 2015 marcará o 70º aniversário das
Nações Unidas e o 10º da Cúpula Mundial de 2005.
Será a ocasião para realizar a reforma
urgente que pedimos desde aquela cúpula.
Impõe evitar a derrota coletiva que
representaria chegar a 2015 sem um Conselho de Segurança capaz de exercer
plenamente suas responsabilidades no mundo de hoje.
É preocupante a limitada representação do
Conselho de Segurança da ONU, face os novos desafios do século XXI.
Exemplos disso são a grande dificuldade de
oferecer solução para o conflito sírio e a paralisia no tratamento da questão
israelo-palestina.
Em importantes temas, a recorrente
polarização entre os membros permanentes gera imobilismo perigoso.
Urge dotar o Conselho de vozes ao mesmo tempo
independentes e construtivas. Somente a ampliação do número de membros
permanentes e não permanentes, e a inclusão de países em desenvolvimento em
ambas as categorias, permitirá sanar o atual déficit de representatividade e
legitimidade do Conselho.
Senhor presidente,
O Debate Geral oferece a oportunidade para
reiterar os princípios fundamentais que orientam a política externa do meu país
e nossa posição em temas candentes da realidade e da atualidade internacional.
Guiamo-nos pela defesa de um mundo multilateral, regido pelo Direito
Internacional, pela primazia da solução pacífica dos conflitos e pela busca de
uma ordem solidária e justa – econômica e socialmente.
A crise na Síria comove e provoca indignação.
Dois anos e meio de perdas de vidas e destruição causaram o maior desastre
humanitário deste século.
O Brasil, que tem na descendência síria um
importante componente de nossa nacionalidade, está profundamente envolvido com
este drama.
É preciso impedir a morte de inocentes,
crianças, homens, mulheres e idosos. É preciso calar a voz das armas –
convencionais ou químicas, do governo ou dos rebeldes.
Não há saída militar. A única solução é a
negociação, o diálogo, o entendimento.
Foi importante a decisão da Síria de aceder à
Convenção sobre a Proibição de Armas Químicas e aplicá-la imediatamente.
A medida é decisiva para superar o conflito e
contribui para um mundo livre dessas armas. Seu uso, reitero, é hediondo e
inadmissível em qualquer situação.
Por isso, apoiamos o acordo obtido entre os
Estados Unidos e a Rússia para a eliminação das armas químicas sírias. Cabe ao
Governo sírio cumpri-lo integralmente, de boa-fé e com ânimo cooperativo.
Em qualquer hipótese, repudiamos intervenções
unilaterais ao arrepio do Direito Internacional, sem autorização do Conselho de
Segurança. Isto só agravaria a instabilidade política da região e aumentaria o
sofrimento humano.
Da mesma forma, a paz duradoura entre Israel
e Palestina assume nova urgência diante das transformações por que passa o
Oriente Médio.
É chegada a hora de se atender às legítimas
aspirações palestinas por um Estado independente e soberano.
É também chegada a hora de transformar em
realidade o amplo consenso internacional em favor de uma solução de dois
Estados.
As atuais tratativas entre israelenses e
palestinos devem gerar resultados práticos e significativos na direção de um
acordo.
Senhor presidente, senhoras e senhores,
A história do século XX mostra que o abandono
do multilateralismo é o prelúdio de guerras, com seu rastro de miséria humana e
devastação.
Mostra também que a promoção do
multilateralismo rende frutos nos planos ético, político e institucional.
Renovo, assim, o apelo em prol de uma ampla e
vigorosa conjunção de vontades políticas que sustente e revigore o sistema
multilateral, que tem nas Nações Unidas seu principal pilar.
Em seu nascimento, reuniram-se as esperanças
de que a humanidade poderia superar as feridas da Segunda Guerra Mundial.
De que seria possível reconstruir, dos
destroços e do morticínio, um mundo novo de liberdade, de solidariedade e
prosperidade.
Temos todos a responsabilidade de não deixar
morrer essa esperança tão generosa e tão fecunda.
Muito obrigada, senhores e senhoras.